Vamos mesmo deixar cair a Grécia?

As negociações da Grécia com os credores, e com a Europa, para a resolução da dívida do país, desenrolam-se há meses, sem que se vislumbre ainda qualquer solução. O prazo para pagamento ao FMI de uma fração da dívida está a esgotar-se e, apesar de ambas as partes insistirem num discurso de esperança, de reuniões sempre muito produtivas e de unanimidade, ninguém vê nenhum avanço, a não ser nos ponteiros do relógio.

Até agora, a única reforma que as instituições viram por parte dos gregos foi a do rosto das negociações. Varoufakis foi remetido para os bastidores, pois aparentemente causava irritação aos barões e baronesas. De resto, Alexis Tsipras continua a recusar embarcar na febre da austeridade. E não será por teimosia ou soberba, mas sim porque sabe que o povo grego não aguenta mais medidas de empobrecimento e não perdoará se o governo aceitar. O mesmo têm dito várias vozes da Europa, incluindo o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz, social-democrata de nacionalidade alemã.

Contrassenso? Não. Isto só demonstra que a análise da situação grega, mais do que uma questão política, deve ser uma questão de bom senso. Só mentes demasiado puristas e egocentristas como a de Merkel e Schäuble, à semelhança de Hitler, não o vêem. É verdade que a culpa é maioritariamente da crise mundial (que por acaso teve início nos Estados Unidos por “inteligentes” economistas que gostam de brincar aos mercados com bens e dinheiros imaginários), mas também não nos esqueçamos da quota parte de culpa dos gregos, que se habituaram a ter muito sem que ninguém pagasse nada.

Porém, de que adianta exigir pagamentos e sacrifícios a quem já caminha descalço? O mais justo e vantajoso para todos seria ajustar o plano de ajuda externa à realidade grega, em termos, por exemplo, de juros e prazos de pagamento, e ajudar a reformar o sistema fiscal, para acabar com a vergonhosa fuga aos impostos que ali se vive. Continuar a apertar o cerco sem intenção de realmente resolver o problema só irá agravar a penúria da Grécia e não ajudará a que esta salde a sua dívida. Ou, como já pareceu estar mais longe, poderá até obrigá-la a formar novas “amizades” com a Rússia ou a China, que querem derrotar a hegemonia ocidental.

Mas não nos deixemos iludir com declarações vazias. A austeridade tem sido criticada por muitos, desde economistas famosos a personalidades do mais alto nível e responsabilidade, incluindo Christine Lagarde, Jean-Claude Juncker e Mario Draghi. Mas na hora da verdade, em que se espera que de facto adotem medidas em prol do crescimento económico e do bem-estar das pessoas, viram o bico ao prego e continuam a insistir na malfadada. Está visto que por trás dos sorrisos que trazem afivelados no rosto e dos abraços e trocas de gravata está uma fome mesquinha de reservar o poder e riqueza para os mesmos de sempre, à custa de manter os outros de sempre na sua inferioridade e dependência.

Esta hipocrisia eu até entendo. Não entendo é a subserviência do governo português e do Presidente da República para com as instituições financeiras, que tanto nos têm espezinhado. Em vez de unirem a sua voz à da Grécia e reclamarem também melhores condições de pagamento da dívida, esfalfam-se para serem meninos obedientes e cães de fila da Alemanha, criticando os gregos, enaltecendo os feitos próprios e desdenhando dos “outros que não conseguiram”.
Nada nos deixa adivinhar que conclusão terão estas negociações. Mas já tive maior esperança de que a Grécia iria ao encontro dos seus objetivos. Não na totalidade, porque negociar significa ceder em alguns aspetos, mas pelo menos numa maior abertura para que os gregos, e outros países, possam respirar. No entanto, ao cabo destes cinco meses em que muito se viu exceto a solução, parece-me que talvez o desfecho não seja o que eu tinha profetizado no início. Se os gregos adivinhassem o futuro, talvez não tivessem perdoado a Alemanha e ajudado a que se reerguesse no pós-guerra. Qual das guerras? As duas, porque em dois momentos da História o mundo inteiro não soube reconhecer a loucura megalómana que, pelos vistos, define o povo alemão.

Mais do que as consequências sobre o euro e os mercados, preocupa-me que, se o mundo deixar cair a Grécia, pode haver uma guerra civil nessa nação milenar que tanto nos ensinou. E pode levantar-se um gigante lá dos lados do oriente, para nos fazer reviver pela terceira vez uma guerra à escala global, que, quer seja fria ou quente, será um inferno.

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