5 de Julho de 2015: o dia de todas as decisões ou o prolongamento da agonia

A Europa e o FMI puxaram o tapete de debaixo dos pés da Grécia e Alexis Tsipras avançou com o poder do povo, dando a volta ao jogo e sendo ele a lançar o ultimato desta vez.

A convocação de um referendo é para o Syriza um pau de dois bicos. Por um lado, alivia o governo grego de assumir sozinho a responsabilidade de aceitar uma proposta de mais austeridade, que vai contra o que se propôs conseguir perante o povo grego que o elegeu. Neste sentido, o referendo é perfeitamente legítimo e compreensível. Por outro lado, se o sim ganhar, poderá obrigar o Syriza a aceitar uma proposta com a qual não concorda e, nesse caso, não vejo condições, e possivelmente nem vontade, para este governo se manter em funções. Nesse cenário, a Grécia corre o risco de mergulhar numa crise política, além da crise financeira, económica e social que já a acossa. E com a divisão de opiniões que as sondagens indicam, a probabilidade de graves conflitos internos torna-se mais palpável.

A meu ver, neste processo o governo de Alexis Tsipras cometeu um erro. A sua posição seria mais credível se não fizesse campanha por qualquer das possíveis respostas no referendo, limitando-se dessa forma a auscultar os cidadãos e depois a pôr em prática a sua decisão. Claro que as confusões de avanços e recuos em relação a este referendo também não ajudam.

Apesar de muito aguardado, o referendo do próximo domingo, 5 de Julho, poderá não ser tão determinante quanto se julga. É provável que um não possa levar ao Grexit; mas tal não é líquido, e ambas as partes podem voltar à mesa das negociações em qualquer dos cenários. Se a Grécia sair do euro, as consequências para aquele país e para o resto do Eurogrupo são imprevisíveis, pois não existem precedentes. Tal como disse Mario Draghi, são águas “nunca dantes navegadas”. Incrível é como, com tanta gente especializada e tanto tempo de preparação, a União Europeia comete a proeza de produzir afinal uma moeda e um sistema económico-financeiro com tantas falhas e fragilidades, que só funciona num idílico crescimento, e não prevê recessões, desvalorizações e eventuais saídas de estados-membros, deixando os países presos a um instrumento que não podem controlar e de que não podem libertar-se. Uma moeda que foi vendida como contribuindo para a prosperidade de todos, mas que afinal se vê agora que é só para lucro de alguns, enquanto arrasta outros para o fundo.

Tsipras cedeu muito mais do que se poderia pedir. Mostrou-se disposto a aceitar cortes que iam muito mais além do imaginável, e que ultrapassavam as linhas vermelhas do Syriza. As tão em voga linhas vermelhas que outros, como Paulo Portas, também tinham, mas que facilmente deixam cair em troca de quase nada. No fim de contas, as diferenças entre as medidas propostas pelo governo grego e pela troika são pouco mais do que tostões. Mas o FMI, liderado por uma Christine Lagarde mais preocupada com o seu umbigo e com assegurar a sua reeleição à frente da instituição, resolveu que a humilhação a que os gregos mesmo assim se votavam não era ainda suficiente; tinham de ser mais depauperados. Analisando o início e o fim das infrutíferas negociações que compuseram este circo de cinco meses, percebe-se imediatamente que os recuos gregos foram enormes, enquanto os credores pouco ou nada se mexeram.

Os líderes europeus têm sido criticados pela sua limitada perspetiva financeira do problema. Todavia, mais do que isso, as grandes potências europeias sentem-se beliscadas e ameaçadas por uma força de esquerda que mostra espinha dorsal. E isso, meus caros, é simplesmente inadmissível. Há que esmagar tal audácia logo na sua origem. Mas será que conseguirão arrancar a raiz?

O povo grego é, historicamente, um resistente. Muitas guerras travou para manter a sua independência. Muitos dizem que a Europa deve mais à Grécia do que a Grécia à Europa, e é verdade, se virmos mais além de moedas e notas. Por exemplo, na Segunda Guerra, muitos gregos perderam a vida para fazer frente às tropas de Mussolini e desta forma atrasaram a progressão do eixo pelo resto da Europa. E a todas essas guerras e provações a Grécia sobreviveu. É certo, como já disse anteriormente, que o povo grego e os seus sucessivos governos têm conduzido o país numa displicência de recursos, com uma evasão fiscal e uma concessão de subsídios e benefícios estatais incomportáveis. Mas em vez de aproveitar a vontade de um governo eleito em restabelecer a ordem na economia grega, as grandes potências europeias vêm reiterar o seu empenho em manter os países periféricos sob vassalagem, sempre suplicantes e dependentes das migalhas que lhes queiram dar, enquanto os tubarões continuam a engordar à custa da eterna dívida do Sul da Europa, que não lhes interessa que acabe.

Um nível de vida financeiramente estável é muito importante. Mas não se sobrepõe à dignidade de um povo. E é isso que a União Europeia tem subestimado. O povo grego já deu mostras, em várias ocasiões da História, que a dignidade é algo de que não abdica. Apesar de cansados de pobreza e de desemprego, apesar do risco e da incerteza das consequências do referendo, os gregos poderão preferir manter a sua independência. Até porque, qualquer que seja o resultado do referendo e o destino da Grécia, o que é certo são os cortes que os esperam. E o não é a única via que lhes permite libertarem-se do jugo europeu e mostrar a Merkels, Schäubles, Hollandes e Lagardes que não são os donos disto tudo. Seria uma chicotada psicológica para a Europa totalitária e opressora.

Eu aplaudiria tal coragem e tomaria para mim um pouco do orgulho grego, já que o governo do meu país não mo permite e me obriga a curvar aos pés da Europa.

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