A faca ao pescoço e a terceira estupidez

Os gregos afirmaram em referendo, e com grande expressividade, que rejeitavam as medidas de austeridade impostas pelos credores. Em resposta, as instituições credoras acenaram com um pacote de medidas ainda mais duras numa mão e a condenação de um Grexit na outra. E o que fez o governo de Alexis Tsipras? Aceitou tudo o que impeliu o seu povo a recusar, e ainda mais.

Todos os intervenientes desta fastidiosa negociação desprezaram a vontade de um povo. Desperdiçaram cinco longos meses de avanços e recuos. E menosprezaram um referendo, um dos mais altos instrumentos da democracia. Tsipras queixou-se que tinha uma faca apontada, esquecendo que o dever de um líder é virar o fio da navalha, ou então ajudar o seu povo a suportar com dignidade as inevitáveis provações.

Para que serviu tanto circo? Ou, neste caso, tantos atos desta tragédia grega? Para os credores europeus, serviu para legitimar aos olhos de alguma opinião pública mais tolerante as suas verdadeiras intenções desde o início: o acorrentar da Grécia a uma política económica e de dívida que alimenta a prosperidade dos países do centro e norte da Europa, e a execução pública, recheada de recados, de um governo e de um povo que arranhou ideais de esquerda e que ousou desafiar as instituições. Um autêntico golpe de estado.

O governo helénico insiste desde o início que é preciso renegociar ou reestruturar a dívida. Mas só agora, ao cabo de meses, de anos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) vêm admitir que a dívida grega é insustentável, puxando de relatórios escondidos no fundo de alguma gaveta, que oportunamente saltam lá de dentro apenas para lá da última hora. Curiosamente, as propostas em cima da mesa parecem ignorar tais pareceres. Continuam a apostar numa austeridade que falhou, e que vai voltar a falhar. E desta vez com requintes de invasão da soberania de um estado, arrestando bens alheios que este nem possui. Ou seja, não deixaram cair a Grécia (por enquanto), mas colocaram-lhe a corda à volta do pescoço e obrigaram-na a ajoelhar. Eventualmente para sempre. E os restantes países periféricos há muito que vergaram.

Será que alguma vez vai haver a tão necessária renegociação? Neste caso, será como a austeridade imposta a Portugal e à Irlanda: a partir de uma certa altura, as mais altas personalidades reconhecem que foi um erro e que não resulta, mas ninguém dá um passo para a mudar. E porquê? Porque os outros donos disto tudo, como a Sra. Merkel, o Sr. Schäuble, o Sr. Sipilä ou o Sr. Stubb, não querem. E todos os outros não têm coragem de se impor contra eles. É a revisitação dos mais negros episódios da história do mundo, com um terceiro império alemão a espalhar os seus tentáculos, desta vez não pela força das armas, mas pela opressão dos Mercados, perante uma Europa que assiste impávida. Era isto que os ideais de uma comunidade europeia queriam evitar.

Independentemente das medidas que venham a ser aplicadas à Grécia e dos castigos que este povo venha a enfrentar, o euro e a Europa, tal como os conhecemos, não voltarão a ser os mesmos. Estamos a assistir à abertura de um capítulo histórico, cujo pontapé de saída se deve principalmente aos gregos. Temos de admitir, o euro está moribundo e a Europa agoniza na sua própria inércia, escancarando mais uma vez as portas ao totalitarismo alemão. Não há duas sem três, mas à terceira já só se cai por estupidez.

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