O obstáculo do PS

Após um programa de austeridade histórica e da saída da troika de Portugal, tudo apontaria para que as eleições legislativas de 2015 fossem das mais previsíveis de sempre. Sabendo a quem coube a autoria – necessária ou não, não é isso que pretendo discutir – de medidas tão impopulares como corte de pensões e salários e subida de impostos, e conhecendo a tradição portuguesa de alternância do poder (aliás, não só nossa, mas de muitos importantes países), tudo faria prever uma mudança de ciclo político com viragem à esquerda. Ou seja, um escarlate cartão vermelho para PSD e CDS e uma vitória retumbante do PS, com subida também dos outros partidos da esquerda.

Contudo, a realidade parece não ser dada a previsões e oráculos. Não precisamos de sondagens para saber que a coligação Portugal à Frente (PàF) e o PS disputam votos taco a taco e os restantes partidos atualmente com assento parlamentar continuarão a ter o seu lugar sem grandes sobressaltos ascendentes ou descendentes. Dos novos partidos, que vêm coroar com um recorde de opções os boletins de voto, não se esperam surpresas como as que se têm verificado na Grécia ou em Espanha. Na conjuntura atual, quase diria que seria mais fácil o PS ganhar as eleições, e com larga vantagem, do que perdê-las. Mas a vida não é um mar de rosas. Até os ventos que sopram da Grécia têm trazido espinhos ao partido do Largo do Rato. Todavia, o maior obstáculo ao sucesso do PS é ele próprio. E por várias razões.

1.    O líder. Se António Costa era um promissor candidato a líder socialista há um ano, conseguiu nestes meses arruinar esse capital. Falta-lhe aquele je ne sais quoi que define um grande político. Costa não é um bom comunicador, a sua mensagem não flui. Não tem sido capaz de definir e manter um rumo para o PS nem de mobilizar as figuras do partido em torno de si. A pluralidade é saudável e o PS é dos poucos partidos portugueses que tem conseguido conviver com ela com vantagens para o país. Mas a cacofonia de vozes dissonantes tem contribuído para diminuir a confiança.

2.    A campanha. Os cartazes “aselhas” com casos irreais de pessoas reais que não autorizaram tal utilização da sua imagem foram uma péssima aposta, que trouxe custos para a credibilidade do PS. Uma escorregadela que fez cair o engenheiro da campanha. Contudo, a estratégia do novo diretor ainda não conseguiu até agora passar uma mensagem clara que mobilize os portugueses, ao contrário da imagem de estabilidade e segurança montada pela PàF. Honra lhe seja feita, António Costa tem-se desdobrado em entrevistas; porém, o seu conteúdo tem-se revelado morno, sem entusiasmo e sem rasgos que lhe permitam descolar-se do adversário direto. E certamente não o conseguirá trazendo Ferreira Leite para fazer inveja ao PSD.

3.    Os números. As notícias positivas que mostram alguma recuperação da economia – ainda que muito tímida – e uma redução do desemprego – mesmo que em parte mascarado pela emigração e por estágios e formações para ocupar desempregados – não ajudam a ilustrar o demérito do atual Governo. Mas a realidade é o que é, e o PS faria melhor em mostrar que é uma alternativa à fraca recuperação que o Governo conseguiu à custa de hercúleos sacrifícios dos portugueses, do que insistir na polémica dos números do desemprego. Por outro lado, Costa e os economistas do cenário macroeconómico do PS – que fizeram um exercício louvável e pioneiro, que espero que passe a acompanhar os programas eleitorais de todos os partidos daqui para a frente – deviam ter antecipado que a previsão de criar 207 mil empregos iria facilmente ser servida como promessa pela PàF. Mais uma vez, António Costa desfez-se em atabalhoadas explicações ineficazes e deu espaço para ser conotado com uma má memória.

4.    As presidenciais. A hesitação do PS e a falta de unanimidade interna relativamente ao candidato a apoiar para as presidenciais têm colocado estas eleições na agenda em detrimento das legislativas. António Costa bem se esforça, mas a falta de assertividade e as divisões internas do partido passam por cima das suas prioridades. Sampaio da Nóvoa poderá reunir consenso pela ideologia, mas é um ilustre desconhecido em quem poucos reconhecem força para ser eleito ou desempenhar o cargo. Maria de Belém é uma histórica do PS, mas não faz parte das hostes da atual direção. E sinceramente, anunciar a candidatura durante uma entrevista em direto do secretário-geral foi um golpe baixo que prejudica Costa e acima de tudo o partido. Guterres disse que não e António Costa terá de se contentar com o que vem à rede.

5.    O fator Sócrates. A prisão do antigo Primeiro-Ministro é dos poucos assuntos que António Costa tem sabido gerir bem, recusando tecer juízos de valor e insistindo na separação entre justiça e política. Ao contrário da PàF, que por diversas vezes tem revelado o nível baixo da sua política através de declarações de Passos Coelho, do líder da bancada parlamentar Luís Montenegro e recentemente de Paulo Rangel – que conseguiu proferir sobre esta matéria as palavras mais degradantes para a política nacional e também para a magistratura, merecedoras de, além de repúdio, uma retificação e um pedido de desculpas. Já não bastava o PS estar a braços com uma herança de bancarrota atribuída ao governo de José Sócrates – a meu ver, injustamente, pois a crise não foi só portuguesa, mas sim mundial, e ciclicamente nós e outros países cairemos nela se persistir esta ditadura de mercados e a submissão à dívida –, da qual seria sempre difícil descolar-se passado tão pouco tempo. No entanto, o próprio Sócrates afunda o PS mais um pouco em cada carta que envia da prisão de Évora. Das duas uma: ou Sócrates tem simplesmente um ego endeusado (o que é muito plausível, tendo em conta a sua personalidade), ou então quer prejudicar o PS de António Costa.

A política portuguesa vive uma crise. Faltam políticos, falta carisma e falta alternativa. É assim atualmente em todos os partidos, salvo exceções pouco significativas. Mas é mais flagrante no PS, onde ficou um vazio após a queda do carismático José Sócrates – amores e ódios à parte.

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