Vale a pena recordar Hiroshima e Nagasaki

Hoje passam 70 anos desde o lançamento da bomba nuclear sobre Nagasaki. No dia 6 de Agosto foi a vez de Hiroshima recordar esse terrível aniversário. A RTP1 passou nessa noite um documentário com os testemunhos de várias pessoas, japoneses e americanos, que viveram este dia fatídico. E foi impressionante.

É verdade que foi um episódio decisivo para pôr fim à sangrenta II Guerra Mundial. Todos o conhecemos. Todos já ouvimos falar da devastação que esta bomba causou naquela cidade, assim como a segunda bomba lançada sobre Nagasaki três dias mais tarde. Todos sabemos que matou milhares de pessoas e que destruiu por completo estas duas cidades. E que os efeitos foram muito mais além e fizeram-se sentir durante décadas, provocando vários tipos de cancro e malformações fetais. Mas quando se ouve contar na primeira pessoa por quem estava lá – por quem sentiu na pele o poder imenso da bomba, por quem perdeu a família, a casa, a razão de viver –, a história ganha outra dimensão. Uma dimensão de horror.

Tudo o que vi relatado naquele documentário da RTP1, do princípio ao fim, deixou-me sem pinga de sangue. Não vou descrever tudo o que aquelas pessoas contaram: está amplamente gravado por escrito e em documentários como o que vi. Vou apenas referir duas das coisas que mais me impressionaram. Uma foi o facto de as sombras das pessoas e dos objetos terem ficado projetadas no solo e nas poucas paredes que restaram de pé, como marcas da coisa original completamente queimada. A outra foi algo que só se imagina em algum filme fantástico de terror e de monstros diabólicos: três crianças vêem entrar em casa uma coisa preta que se deslocava sobre quatro patas e que pensaram ser um cão. A coisa caiu e morreu à sua frente. Quando as crianças olharam com mais atenção, perceberam que era a sua mãe, desaparecida desde o dia anterior.

Acho que não são necessárias mais palavras. Mas vale a pena parar para refletir que tipo de seres somos nós, capazes de infligir tamanho sofrimento. Vale a pena, acima de tudo, recordar, para não repetir algo tão atroz. Se se podia alegar, na altura, desconhecimento relativamente aos efeitos da bomba atómica, mais difícil é justificar o lançamento da segunda bomba dias depois, depois de constatar a destruição e a morte que a primeira causara. E vale a pena lembrar que quem hoje se empenha em impedir que outros países possuam armas nucleares foi quem lançou a primeira. E que ainda conserva o seu arsenal e ninguém parece querer impedi-lo.

Etiquetas: ,