O inimigo entre nós

Paris foi abalada por mais uma série de atentados terroristas, dez meses depois do massacre do Charlie Hebdo. Não foi só Paris, foi toda a Europa, foi o mundo. O mundo dito ocidental. O mundo que, desde o 11 de Setembro, olha por cima do ombro, em permanente sobressalto. O mundo que declarou guerra ao terrorismo repetidamente, tantas vezes quantos os atentados que já sofreu. E acredito que há outro mundo, o que serve de bastião aos terroristas, onde as pessoas também repudiam ataques cobardes como este. Porque elas próprias os sofrem na pele, mas como o país onde vivem se chama Síria, Iraque ou Afeganistão, em lugar de França, Reino Unido ou Estados Unidos da América, ninguém fica chocado, ou comovido, ou revoltado. E é dessa matança que essas pessoas fogem e procuram refúgio na Europa. Tal como os parisienses procuraram refúgio em prédios e cafés na noite de 13 de Novembro. Esta não é uma guerra religiosa nem o islamismo é uma religião radical que apela à violência. Mas é usado por pessoas perversas que deturpam a essência da religião para conquistar poder, bens e territórios.

As táticas dos terroristas têm vindo a mudar. São cada vez mais subtis. Cada vez mais difíceis de antecipar. Os inimigos dissimulam-se no meio de nós e caminham impercetivelmente ao nosso lado. É desleal lutar contra quem se esconde nas sombras. Desta vez, não atacaram um qualquer símbolo nacional, mas sim um bairro, como o meu ou o vosso, onde pessoas saíram à rua numa noite de sexta-feira igual às outras, para jantar, ouvir música ou simplesmente estar com a família e amigos. Qualquer um de nós faria o mesmo. Qualquer um de nós faz o mesmo. E continuaremos a fazer, ainda que mais conscientes de que um projeto, um desejo, um sonho, podem esfumar-se em minutos. Continuaremos a lutar, a sonhar, a viver, porque sabemos que o contrário é abdicar de existir. Os franceses, os europeus, os cidadãos do mundo, têm sido forçados a vergar em muitas ocasiões, mas em nenhuma delas quebraram. E tornaram sempre a erguer-se.

Não faltaram reações de todo o mundo. Sentimentos de choque e de pesar, sempre acompanhados de solidariedade e de resiliência de quem recusa entregar as cartas. É preciso união entre os povos. Mas também é preciso perceber que as pessoas não são números, que governar é mais do que pensar em défice e em rating, que há povos com valores diferentes que é necessário respeitar. Não faltaram também, e não faltarão, vozes da extrema-direita engrossando o combate à imigração e à tolerância. Mas a dor e a revolta não nos deve iludir o discernimento. Não nos esqueçamos que foi o extremismo, a intolerância e o desrespeito pela diversidade cultural que dividiram o mundo e nos trouxeram até aqui.

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