Antes que seja (outra vez) tarde demais

Vamos lá bombardear mais um país do Médio Oriente. Pode ser outra vez a Síria. Porquê? Porque alberga os terroristas do Daesh, esses monstros que ameaçam a segurança dos cidadãos ocidentais, as suas liberdades e estilo de vida. Os Estados Unidos são veteranos na arte de invadir e atacar outros países, com ou sem motivo, e ensinam como se faz. França e Reino Unido já se lhe juntaram. O próximo será a Alemanha. Rússia e Turquia também lá estão, mas não se sabe bem quem atacam e quem defendem. Mas não faz mal. Com ou sem boots on the ground, vai um de cada vez, sem necessidade de concertação, largar umas bombas algures, destruindo não se sabe bem o quê. Umas vezes dizem que os alvos são posições estratégicas e homens relevantes do estado islâmico. Mas nunca civis – pelo menos, nunca se ouve falar neles...

Já agora, aproveita-se e muda-se o regime político sírio. Depõe-se o ditador Bashar al-Assad e impõe-se ali uma democracia. Chefiada por alguém amigo das grandes potências ocidentais, claro! É o que os sírios querem? Não sabemos, mas parece que os milhares que fogem para a Europa não querem é a guerra. Seja como for, faz-se o mesmo que se fez no Iraque. Lá também havia um ditador perigoso, que até escondia armas de destruição massiva com que planeava atacar os EUA.

Então, o problema do Iraque ficou resolvido? Parece que não. Os militares internacionais ainda lá estão, não porque não queiram sair, mas porque a insegurança é tal, com atentados bombistas praticamente diários, que não conseguem ver-se livres daquele cenário de guerra. E da incursão no Iraque resultou o estado islâmico. Que vem da Al Qaeda, a qual vem da guerra do Golfo contra o Iraque. Da mesma forma que os talibãs resultaram da guerra do Afeganistão que opôs Estados Unidos e União Soviética. Se a História nos ensina alguma coisa – e eu acredito que nos ensina muito, quando não estamos desatentos ou decidimos não a ignorar – é que devemos esperar destes ataques ao território sírio um novo estado islâmico, a surgir dentro de alguns anos, mas numa versão mais apurada, com mais extremismo, mais violência e mais terror. Tudo alimentado pelos nichos marginalizados onde os migrantes árabes se agregam nos países ocidentais e pelas políticas externas opressoras e despojadoras das grandes potências, que rebaixam os outros povos e territórios a meras fontes de bens e riqueza.

A ameaça do terrorismo como hoje se apresenta é tudo menos fácil de solucionar. E por mais que se combata, seja por meio de serviços de informação, estados de emergência ou  rusgas-relâmpago em bairros problemáticos dos países ocidentais, seja através de bombardeamentos em países do Médio Oriente, nunca se conseguirá derrotar por completo. Os terroristas já não são apenas uns tipos barbudos de turbante que vêm de países que muitas pessoas nem sabem apontar no mapa, e cuja entrada no nosso país podemos controlar. A jihad extravasou as suas velhas fronteiras. Hoje dá-se a curiosa perversão de os jihadistas serem americanos, ingleses, franceses, portugueses. Podem ser o nosso vizinho ou o passageiro ao nosso lado no comboio. A paucidade de valores em várias sociedades ocidentais, o desconhecimento das origens e da contextualização da evolução social e o sentimento de que o sucesso pessoal é um direito e não uma conquista deixa os jovens mais vulneráveis desprovidos de identidade e de causa por que lutar. Esse vazio é assim preenchido por outras lutas e valores, incutidos em nome de uma religião instrumentalizada por líderes frios, calculistas e sedentos de poder e de fortuna, para quem o aspeto divino vale pouco.

Porém, tal inevitabilidade não significa que se deva baixar os braços e deixar que o medo preencha as nossas vidas. Quero continuar a ir a espetáculos, a andar de comboio e metro, a viajar para outros países de avião, ou simplesmente a passear na rua, sem me preocupar se aquele será o dia errado e a hora errada para o fazer. Mas exigir respeito pelos nossos direitos e estilo de vida enquanto cidadãos do mundo implica, antes de tudo, respeitar as diferentes culturas e crenças dos outros cidadãos. Porque neste mundo onde as fronteiras se foram esbatendo – ou assim se desejou outrora – cada vez mais partilharemos o mesmo espaço: o mesmo país, a mesma cidade, o mesmo metro. E passa também por educar dos jovens sem descurar a ideologia e a valorização pessoal.

O combate contra o terrorismo começa antes de se instalar o ódio e o radicalismo. Depois disso, é tarde demais.

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