Ano Novo. Vida nova?

A passagem de ano traz-nos a tradicional revista do ano que finda. É sempre um bom momento para arrumar as ideias, pois ajuda a não esquecer aquilo que foi importante e que dará jeito recordar mais tarde. O ano de 2015, de que nos despedimos ontem, foi um dos mais recheados de acontecimentos realmente marcantes, daqueles capazes de provocar uma viragem na sociedade. A tragédia dos migrantes que envergonha e asfixia uma Europa impotente e dividida; a ousadia da Grécia pobre, prontamente esmagada perante a prepotência dos estados europeus que a mantêm agrilhoada, tal como a outros como ela, para alimentarem a sua supremacia; os atentados em Paris em Janeiro e Novembro, que chocaram o mundo; a guerra no Médio Oriente e as barbáries do autoproclamado Estado Islâmico, que mataram muitos mais mas que chocaram muito menos; o tardio reatar de relações diplomáticas entre Estados Unidos da América e Cuba, contudo insuficiente para pôr fim ao terrível embargo económico; o acordo nuclear com o Irão forjado à custa de muito suor diplomático; o ambicioso acordo sobre o clima, que veremos se passará das boa intenções; os inéditos resultados eleitorais em França e em Espanha, que antecipam muitas leituras e consequências futuras numa Europa que sucumbe ao seu envelhecimento e cansaço. Cá dentro, 2015 teve as portas fechadas para a monotonia e manteve os portugueses entretidos com a continuação do buraco do BES/GES e a venda do Novo Banco que não aconteceu; a quarta sequela da dramática saga bancária portuguesa desta vez com o Banif; as privatizações e concessões a privados, incluindo a da TAP por um governo de gestão; o adeus de Paulo Portas à liderança do CDS.

E, claro, 2015 foi o ano em que nasceu este Espaço Liberdade. Por enquanto ainda um bebé, mas que espero ver crescer durante muitos mais anos.

Mas, nesta amálgama de acontecimentos vertiginosos, para nós portugueses nada foi tão marcante e surpreendente como a reviravolta após as eleições legislativas em Portugal, onde a maioria relativa do PSD/CDS foi apeada pelo PS apoiado numa maioria absoluta de esquerda. Tudo neste desfecho foi absolutamente inédito para esta velha nação lusitana: o governo mais curto da História com apenas 11 dias de vida; o governo que se seguiu formado pelo segundo classificado e não pela força com mais votos; a maioria parlamentar que sustenta esse governo e que se tornou maior do que a da coligação mais votada, numa aplicação literal da Constituição que parecia ter sido esquecida; a união da esquerda, que desde o 25 de Novembro de 1975 se julgava uma utopia. Este momento despertou paixões como nunca desde o pós-25 de Abril. Voltou-se a discutir política às mesas de família, nas ruas, nos cafés, nos locais de trabalho. As pessoas voltaram a sentir-se cidadãs de um país que mexe e se reinventa numa democracia com mais de quatro décadas, mostrando que não se entrega à inevitabilidade dos tempos.

Deixando para trás as revistas, que outros sabem fazer (e já fizeram) com mais mestria do que eu, e porque hoje já é o primeiro dia do ano, resta fazer a antevisão de 2016. Desconfio que será tão pouco ou menos monótono ainda do que o seu antecessor. Em breve teremos eleições presidenciais, onde poucas novidades deverão haver. Mais interessante será observar a dança e contradança entre o novo inquilino de Belém e o sui generis Governo de António Costa. Essa “geringonça”, tal como apelidada por Paulo Portas, que provavelmente precisará de trocar peças e de ser oleada por diversas vezes, mas que, se não se desmanchar sobre si mesma, talvez venha a resultar numa passarola que até voa. E ainda sobra para 2016 o Novo Banco e agora também o Banif, ambos ainda com muitas pontas soltas que se podem emaranhar, mais uma vez, nos braços e pernas dos incautos contribuintes.

O que me parece que não será vida nova neste ano novo é o adeus à austeridade. Apesar de António Costa e Mário Centeno desejarem virar-lhe a página, julgo que ela gosta de andar por cá. Pelo menos, enquanto tivermos uma banca pequenina com manias de grandeza, empresários e banqueiros que impunemente transferem as suas dívidas para os cidadãos portugueses e uma filosofia de crescente dívida soberana em detrimento da produtividade. Por agora vai dando para o champanhe e fogo de artifício. Mas até quando?

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