Até já, Portas

Paulo Portas é uma personalidade a que ninguém fica indiferente, seja por boas ou más razões. Dotado de uma inteligência invejável e de uma retórica eloquente e certeira, é o único político verdadeiramente digno desse nome atualmente no ativo em Portugal. Um exímio estratega, executa os contorcionismos que tiver de executar para chegar onde quer. É um génio da dissimulação, fingindo ser o que mais lhe convém, que muitas vezes foi tudo e nada e o seu contrário. Cedo percebeu que ganha mais em fazer menos de si mesmo do que em intimidar com a sua superioridade. É um homem deslumbrado consigo próprio, e só isso o faz tropeçar.

Entrou na vida política portuguesa como um furacão. Primeiro em 1988, enquanto jornalista d’O Independente, para o qual não me ocorre melhor epíteto do que o escolhido pelos autores e jornalistas Filipe Santos Costa e Liliana Valente - “a máquina de triturar políticos”. Cavaco Silva, então primeiro-ministro, esteve quase sempre na berlinda deste semanário, acompanhado de outros protagonistas da altura, como Leonor Beleza e Miguel Cadilhe. Um jornal muitas vezes aplaudido pela esquerda, que beliscou precisamente as personalidades com quem Portas se viria a relacionar institucionalmente no seio da sua família política. Apesar disso, nem uns nem o outro pareceram sentir qualquer tipo de constrangimento, ou não fosse Portas maleável como a plasticina que se molda a qualquer circunstância.

O jornal serviria de rampa (leia-se pretexto) de lançamento do seu projeto político. Tomou as rédeas do CDS-PP e conduziu-o muito para além de onde os táxis vão. Paulo Portas soube ver onde tinha de se colar para realizar esta ascensão, e concretizou-o com a mestria que poucos têm: nas feiras, nas praças, na lavoura, de boné em riste e sempre com os pobres e os reformados na boca. Imprimiu à política nacional um nível de populismo e de demagogia a que nem os mais experientes se atreveram, e isso valeu-lhe apertos de mão sujas de terra, beijos de peixeiras e votos, sobretudo votos. Transformou o partido no seu império, afastou-se quando tinha de se afastar, mas o interregno de dois anos neste longo reinado de dezasseis não foi mais do que uma pausa para ganhar novo fôlego e se catapultar a si próprio novamente para a ribalta.

As alianças com o PSD valeram-lhe assento em três governos. Como ministro dos Negócios Estrangeiros de Passos Coelho, saiu-se melhor do que o esperado. Protagonizou várias polémicas, algumas ainda mal resolvidas, como o caso dos submarinos. Mas o que ficará na memória dos portugueses é a aura de irrevogável, causa de uma crise política que afinal teve como consequência reforçar a sua posição e a do CDS no Governo.

Paulo Portas sabe como poucos ler cada momento político. E percebeu que a sua continuidade à frente do CDS seria um obstáculo à necessária mudança para que o partido se pudesse descolar da má memória de um governo de coligação que trouxe a austeridade e que radicalizou o regime até não restar alternativa senão iniciar um novo ciclo político. E também um novo ciclo para os centristas.

O CDS herda de Portas um importante legado. Quem vier a seguir terá de se esforçar muito por “manter o nível”, como o próprio disse. Porque o CDS de hoje é Paulo Portas, e o ainda dirigente do partido está consciente disso. Várias personalidades, incluindo algumas próximas do líder centrista, vaticinam o abandono da vida ativa no partido para se dedicar a outros voos. Há quem fale até na Presidência da República. Não digo que Portas não tenha essa ambição, mas como homem inteligente que é sabe que dificilmente a conseguirá. Por outro lado, sabe também que tem lugar confortável e fácil no CDS, ao qual certamente permanecerá sempre ligado, talvez até de forma muito relevante no que toca a capacidade decisiva, ainda que possa ser num modo mais ou menos camuflado.

Este adeus de Paulo Portas soa a até já. Tenho para mim que não aguentará mais do que três a cinco anos antes de voltar à liderança do CDS, mesmo que para isso tenha de empurrar para fora da tribuna quem lá estiver. E fá-lo-á sem hesitar, se o seu ego e engenho assim determinarem.

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