Não somos membros do clube, mas pagamos as quotas

Ouvir falar de finanças e de economia, e entender o que é dito, é como sermos levados por um amigo, com o qual se convive pouco e que tem um estilo de vida com o qual só podemos sonhar, a um clube exclusivo, onde uma série de pessoas desconhecidas fala uma língua estrangeira, come caviar – de que não gostamos, mas engolimos – e fuma charutos apesar de ser um local para não fumadores. Ninguém se sente confortável num sítio assim – a não ser os distintos membros do clube – mas, na verdade, gostamos de ir dando uma espreitadela e de dizer aos amigos do dia-a-dia que lá estivemos.

É desta forma que todos os dias, desde há cinco anos, pomos um pé no clube onde ouvimos expressões como “défice nominal”, “défice estrutural”, “procedimento por défice excessivo”, entre outras. Mas percebemos realmente do que estão a falar? Suspeito de que os membros destes clubes têm um prazer maquiavélico em interditar o acesso dos não-membros aos dicionários do seu idioma. Ainda assim, vendo-nos forçados a pagar as quotas do clube, apuramos o ouvido e lá vamos descodificando uma ou outra palavra.

Mesmo que a nossa calculadora não esteja afinada pela dos senhores que jogam as cartas neste clube, seria hipócrita não reconhecer que as bases do esboço do Orçamento de Estado para 2016 (OE 2016) – sobretudo défice, crescimento e inflação, para não falar do pressuposto de que o consumo interno será capaz de reabilitar a economia e não agravar a dívida – são, no mínimo, difíceis de acreditar. Já o eram no cenário macroeconómico de Mário Centeno e companhia dos idos tempos pré-legislativas. A concretização de tais metas fica altamente dependente de bons ventos lusos e internacionais, os quais não se coadunam com a desaceleração do crescimento na China e Alemanha, a subida dos juros americanos, a paridade do euro face ao dólar ou o baixo preço do petróleo.

Dito isto, compreende-se que não é só a economia portuguesa que apresenta fragilidades. O problema é mundial e cada vez mais incontrolável. Porque os tais senhores do clube decidiram que as economias dos países têm de depender de empréstimos e sucessivas dívidas, em que os lucros vão direitinhos para os membros do clube e as faturas são assacadas aos tais que não podem lá entrar mas que pagam as quotas. E António Costa quer que os portugueses paguem menos quotas.

Bruxelas faz com o Governo de António Costa o que não fez com o de Passos Coelho. Não fez porque não precisou. Passos, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque nunca negociaram, nunca reclamaram tratamento igual ao de outros países, como França, Itália e Espanha, cujos desvios ao Tratado Orçamental foram permitidos sem desabar uma tempestade de ameaças. Mas Portugal não é França, Itália ou Espanha. Para a União Europeia (UE), é mais confortável pressionar um país periférico do que preocupar-se com o seu grande parceiro ibérico, onde nem sequer se vislumbra qualquer solução governativa. Para a UE, incomoda menos ameaçar a Grécia com a saída de Schengen do que pedir explicações à Dinamarca pelo confisco de bens a refugiados, ou à Suécia pela anunciada expulsão de 80 mil refugiados. Para a UE, é mais fácil continuar a asfixiar a economia de um país, apesar de uma conjuntura mundial adversa que a própria UE teima em fomentar, do que trabalhar para perceber problemas e adaptar a obsoleta folha de cálculo à complexa realidade que atravessamos.

Já se disse várias vezes que Portugal não é a Grécia. Mas também é verdade que o PS não é o Syriza. E António Costa não é Alexis Tsipras. O primeiro-ministro português sabe que se entrar na UE com o seu OE 2016 de peito feito, como fez o homólogo grego, será varrido pela mesma tragédia grega. Costa é reconhecidamente um político experiente e um exímio negociador.

Uma vez, um criador de cavalos e amante da arte equestre mostrou-me que um cavalo de cariz dominador, quando está em processo de domação, vai aproximando do domador a parte posterior do seu corpo, obrigando-o a afastar-se do perigo de um coice, e desta forma submetendo-o. Um bom domador consegue, sem violência, empurrar lentamente o cavalo, mostrando-lhe que não tem o poder de ocupar o espaço do outro. Parece-me que o que estamos a assistir entre o Governo português e a UE é esta fina dança entre domador e domado. Só não sabemos (ainda) quem é quem. Do que conheço de António Costa, suponho que conseguirá que cada um ceda algum espaço. Costa disse que trata de questões políticas. Ao contrário do Governo de Passos Coelho, o atual Governo rejeita a política das finanças, pondo as finanças ao serviço da política, o que aliás já tinha ficado patente ao retirar importância ao ministério de Centeno. Julgo que a aparente displicência com que o PM tem gerido esta matéria, desvalorizando o estado de nervos da Comissão Europeia, os avisos de comissões técnicas e os habituais alarmismos apocalíticos de agências de rating, faz parte da sua coreografia de negociação. Só espero que seja a coreografia certa, pois infelizmente está a começar a afetar a credibilidade do país e pode adiar um orçamento já tardio e de que precisamos urgentemente.

Os défices podem ter os nomes que lhes quiserem dar; podem fazer-se, refazer-se e até martelar-se quaisquer contas. Não é só a dívida grega, e porventura a portuguesa, que são insustentáveis: é o paradigma da economia mundial. E isso é que tem de mudar, sob pena de nos aniquilarmos uns aos outros em jogos de poder e de submissão, ódios e desigualdades.

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