“Subvencer”

A atitude dos trinta deputados que pediram a inconstitucionalidade da norma que prevê atribuir subvenções vitalícias apenas a ex-políticos com rendimentos inferiores a dois mil euros mensais é, no mínimo, escandalosa. É ultrajante para quem neste país vive abaixo do limiar de pobreza, para quem trabalhou quarenta anos ou mais antes de ter direito a uma reforma de poucas centenas de euros, e para todos os portugueses, reformados e não reformados, que aguentaram, e aguentam, o país sob o cutelo da austeridade.

Apesar de toda a demagogia que muitos têm criado ultimamente, bem sei que a questão da atribuição de novas subvenções vitalícias já não se coloca, uma vez que esse benefício foi extinguido em 2005, e muito bem, pelo Governo de José Sócrates. Só pecou por tardio. Desde então, apenas quem já auferia até aí esse subsídio continuou a ter direito, para não violar o princípio constitucional da confiança, o que é compreensível. No Orçamento de Estado de 2015, o Governo de Passos Coelho introduziu uma norma que ditava que só podiam beneficiar deste apoio os ex-políticos cujo agregado familiar tivesse um rendimento inferior a dois mil euros. O que parece uma forma justa de contornar o tal princípio da confiança.

Mas trinta homens e mulheres não quiseram abdicar desta regalia. E foram com pezinhos de lã pedir ao Tribunal Constitucional (TC) que declarasse esta medida inconstitucional. Se houvesse uma palavra única para este ato, essa palavra seria “subvencer”: ato ou efeito de vencer por meio de golpe baixo. Pensavam genuinamente que ninguém daria por nada? Que a comunicação social, ávida de casos e de parangonas, ficaria calada? E que os portugueses, cansados de perder direitos um a um e de assistir à deterioração progressiva do seu nível de vida, não se iam indignar?

Do TC não critico a decisão, pois quero crer que se limitou a aplicar a lei. Já a justificação de que os ex-políticos poderiam ficar dependentes do seu agregado familiar parece-me de quem vive num país que não é Portugal. Não desejo condenar nenhum político a viver da generosidade da sua família. Mas tal argumento só pode soar a insulto aos ouvidos dos jovens trintões e quarentões solteiros ou com família constituída que sobrevivem com a ajuda dos pais, ou perante os idosos com reformas miseráveis que dependem do auxílio dos filhos. Além de que, tendo em conta os cargos que os políticos normalmente ocupam, públicos ou privados, ninguém imagina que a sua reforma será de trezentos euros.

Não percebo a razão de ser das subvenções vitalícias. Uma pessoa que exerce, ou tenha exercido, um cargo político tem direito a um salário, como qualquer trabalhador. Se é bem ou mal pago, isso já é outra questão. Acho até que a remuneração fica aquém do trabalho e da responsabilidade envolvidos (ou que deveria envolver), mas está com certeza além do salário médio português, pelo que não imagino dificuldades financeiras de maior para estas pessoas. E, como qualquer trabalhador, os políticos devem ter direito à sua reforma quando atingirem a idade prevista na lei para o comum dos cidadãos, para a qual contam também os descontos efetuados durante a prestação do serviço público. E considero que deve ser assim também para os ex-Presidentes da República, que exercem um cargo tão político como qualquer outro. Seria bom que se aproveitasse o debate suscitado por esta decisão para permitir que o próximo Presidente da República já não tivesse direito a subvenção vitalícia. Independentemente do número de beneficiários e dos montantes envolvidos (até podia ser apenas um euro), acabar com as subvenções vitalícias é uma questão de princípio e de justiça. Em democracia não há cidadãos de primeira nem cidadãos de segunda, e os deputados eleitos democraticamente deveriam ser os primeiros a lutar por essa igualdade, e não os que vêm criar leis para benefício próprio.

Se eu pertencesse à classe política, sentiria vergonha. Mas talvez estes trinta não sintam, porque o seu caráter não lhes permite. Este é o tipo de coisa que afasta os cidadãos da política, que faz aumentar a taxa de abstenção e que motiva frases preconceituosas como “são todos iguais” e “só querem poleiro”. Porém, eu acredito, e muitos dirão ingenuamente, que ainda há pessoas que estão na política para construir um país melhor. 

Etiquetas: ,