Passos ou é poder ou não é nada

Não, não vou escrever sobre os atentados de Bruxelas, terrorismo ou Daesh. As palavras são incapazes de exprimir a dor e a perplexidade e recuso-me a dedicar tempo e atenção a atos que só merecem desprezo.

Vou debruçar-me mais uma vez sobre o nosso retângulo e sobre a política que nele se faz. Ou a que não se faz. Sim, porque a política do PSD de Passos Coelho é a ausência da mesma. Escusando-se a fazer política, Passos esvazia o PSD da sua função: ser um partido político. E para que servem um partido e um político que não fazem política?

Passos está amuado, despeitado, zangado, revoltado ou o que lhe queiram chamar. E tem razões para isso. Afinal, foi remetido para a bancada da oposição apesar de ter ganho as eleições, coisa de que poucos se podem queixar. Temos de lhe conceder que se recuse a entrar em consensos para segurar o Governo PS quando os partidos da esquerda lhe faltarem. Mas outra coisa diferente é votar cegamente contra tudo e não apresentar qualquer proposta. Essa lógica de “ou somos poder ou não somos nada” cala a voz de todos os que votaram no PSD – e foram quase 2 milhões de votos (PSD e CDS) – e mata a democracia.

O Governo de Pedro Passos Coelho era destituído de ideologia. É certo que governou em condições muito duras, sob fortes constrangimentos. Mas nunca se esforçou por procurar alternativas mais justas, limitando-se a aplicar a austeridade cega a que via obrigado, sem negociar, e fomentando o famoso slogan da TINA (there is no alternative). Ao contrário do atual Governo PS, que provou que a austeridade, sendo necessária, pode ser mais repartida e menos penalizadora para as famílias. Agora na oposição, Passos mostra que a TINA não era fruto das imposições da crise e da troika, mas sim da falta de propostas e ideias dos protagonistas do Executivo e do partido que o suportava.

Apesar de a política estar atualmente em mudança, ainda sou das pessoas que acredita que, após a derrota de um ciclo, os líderes e as caras têm de mudar. Tal nunca foi tão verdade como com o PSD de Passos Coelho. As figuras estão mal conotadas e os discursos estão gastos, o que é próprio de um período tão exigente como foi o do Governo da coligação que, admita-se, teve de tomar medidas muito impopulares num esforço para equilibrar as contas públicas – concorde-se ou não com o teor dessas medidas. Paulo Portas, como político na sua verdadeira aceção que é, percebeu imediatamente essa necessidade de sair de cena e renovar o CDS. E percebeu adicionalmente que Assunção Cristas seria a lufada de ar mais fresco para operar essa mudança e cortar o cordão umbilical do partido à imagem de austeridade que fatalmente ficou colada a Portas. E com isso o CDS consegue constituir-se como uma alternativa credível ao seu ex-parceiro de coligação, com possibilidade até de ocupar uma boa parte do espaço social-democrata.

Mas Passos, obstinadamente, não quer dar esse passo. Prefere insistir na continuidade: da austeridade, do bom aluno, do beija-mão aos Mercados e a Bruxelas e do discurso da ilegitimidade deste Governo e da vitimização de ter sido apeado do poder. Escolheu parar no tempo, pôr-se à parte e a si e aos seus eleitores e aguardar pacientemente o milagre da queda de António Costa e das esquerdas. Porém, com esta estratégia corre o risco de, quando isso acontecer, e se acontecer, o PSD estar tão esvaziado, ostracizado e ultrapassado que não terá força para correr e voltar a apanhar o comboio. Porque ficou demasiado tempo à espera no apeadeiro, enquanto outros embarcavam sem medo.

Passos isolou-se e isolou o PSD da vida do país. A máscara da social-democracia não engana ninguém e não esconde o seu rosto de neoliberalismo que orgulhosamente ostentou e com o qual impôs sacrifícios aos portugueses durante os últimos quatro anos. Rejeita tudo o que vem do PS e de quem o apoia, seja bom ou mau. E até hostiliza o Presidente da República (PR), como se viu na questão da intervenção de António Costa e do PR na negociação entre o BPI e Isabel dos Santos. A sua estratégia de isolamento e oposição negativa colocam o PSD do lado inútil da barricada, não lhe restando mais nada do que abrigar-se da chacota do PS e dos partidos da esquerda, das críticas do ex-parceiro CDS e até do desprezo do PR. Já se sabe que Marcelo e o líder laranja não têm as melhores relações, e o PR preferirá articular-se com Costa na hora de tomar decisões.

Pedro Passos Coelho não tardará a ser um peão que os seus parceiros de partido sacrificarão sem pejo. O PSD nunca foi de se unir incondicionalmente em torno da sua liderança, nem mesmo na necessidade de ultrapassar uma crise. A surpresa foi não ter surgido logo uma oposição interna que se constituísse como alternativa aos 95% que reelegeram Passos. A direita atravessa uma crise de valores e de ideologia, que mata a diversidade e o debate de ideias. Mas agora são já várias as vozes que se começam a levantar no seio das hostes laranjas.

O PSD só tem duas alternativas: mudar de líder para se renovar e se inovar ou sucumbir à sua própria inépcia. Uma coisa é certa: quando Passos cair, Costa terá dificuldades acrescidas. E Marcelo deixará de ser tão afetuoso com o primeiro-ministro socialista.

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