De bancos maus está o inferno cheio

Eis que, sem ninguém estar à espera, numa entrevista à TSF e ao Diário de Notícias, o primeiro-ministro (PM) aventou casualmente uma ideia: a criação de um veículo ou de um “banco mau” para livrar os bancos do crédito malparado. Ideia essa que afinal é uma pequena bomba, a julgar pelas reações que espoletou nos parceiros da esquerda. E com a bomba no ar, antes que ela caia, o que todos os portugueses querem saber é quem vai levar com os estilhaços. Por outras palavras: quem vai pagar? A resposta é fácil de adivinhar.

No debate quinzenal no Parlamento desta semana, Catarina Martins mostrou que tem andado a treinar e defrontou o Governo de forma musculada em várias matérias, incluindo na exigência de que os contribuintes não sejam mais uma vez chamados a capitalizar os bancos privados. A interpelação apanhou o PS de surpresa pela sua veemência e dureza e alimentou a esperança dos despojados da direita e as parangonas jornalísticas, que anseiam por um vislumbre da quebra da Geringonça (não se indignem: a alcunha já se entranhou e só temos a agradecer a Paulo Portas o favor de ter popularizado tão bem o entendimento das esquerdas). Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia reiteraram, de forma mais suave, a mesma exigência. Pedro Passos Coelho continua de burro amarrado; não disse uma palavra, mas não disfarçou um sorriso de satisfação ao ver os raios e coriscos que choviam da bancada do BE em direção a António Costa.

Pouco se conhece da proposta do PM. Talvez nem o próprio saiba bem o que pretende. Por isso mesmo, não terá sido ajuizado lançar para o ar algo com previsível impacto na economia do país sem ter uma ideia mais concreta do que está a propôr. António Costa apressou-se a garantir que o banco mau não será financiado com dinheiro público. Mas não me parece que possa garanti-lo, por duas razões: 1) os bancos portugueses não têm liquidez suficiente para injetar o capital necessário para a criação de tal veículo e 2) no mínimo, a participação do Estado seria chamada na altura de dar garantias que, se forem acionadas, envolverão inevitavelmente perdas para o erário público. Este cenário não é assim tão hipotético, tendo em conta a atual volatilidade da economia internacional, que coloca grande imprevisibilidade na capacidade de vender sem perdas significativas os ativos tóxicos que este banco mau deteria. E convém lembrar que as garantias não são apenas uma formalidade: recorde-se que o BPP, que não teve intervenção direta do Estado, beneficiou de um empréstimo de um consórcio de bancos portugueses no valor de 450 milhões de euros, cobertos por garantias do Estado, que foram acionadas, das quais o Tesouro ainda só recuperou 23 milhões.

A ideia de um banco mau não é nova. Outros países já o fizeram, já nesta crise, nomeadamente Irlanda em 2009 (NAMA), Espanha em 2012 (SAREB) e já este ano Itália (Atlante), com mais ou menos participação pública. E é por conhecermos estas realidades que uma solução deste tipo tem de ser encarada com muitas reservas. Até agora, têm-se somado perdas quer para os bancos bons quer para os bancos maus. E, consequentemente, também para o erário público. É caso para dizer: de bancos maus está o inferno cheio.

O crédito malparado é um problema para a economia nacional? Sim. Precisa de ser resolvido? Claro que sim. A questão é como e para quê. Os banqueiros portugueses têm vindo a público dizer que o problema não é a falta de liquidez dos bancos para conceder crédito, mas sim a falta de bons projetos. Então, se a resolução do malparado não vai facilitar o financiamento às empresas, servirá para quê? Resta-nos pensar que será para equilibrar, gratuitamente, os balanços dos bancos e livrá-los dos buracos financeiros em que fatalmente se enterraram. Por outras palavras: disponibiliza-se mais uma vez dinheiro público para salvar os bancos da sua má gestão e das infelizes contingências da crise. Contingências essas que também fizeram perecer muitas empresas e particulares, mas não surgiu nenhum veículo ou banco, bom, mau ou assim-assim, para os ajudar. Note-se ainda que, apesar do programa de ajustamento que Portugal sofreu (e a palavra aqui é sofrer), nada mudou no sistema financeiro nem na atuação da banca (nem sequer o governador do Banco de Portugal). A prova disso foi que mal a troika fechou atrás de si a porta, caiu o colosso BES/GES e mais tarde o Banif. E mesmo com todas as recapitalizações, resoluções e salvações, o crédito malparado continuou a aumentar.

Desde 2007, os portugueses já socorreram os bancos com 21,25 mil milhões de euros. Até à data, foram devolvidos 4,48 mil milhões. É só fazer as contas: a banca aliviou os cofres portugueses em 16,77 mil milhões. Leia-se outra vez para interiorizar a real dimensão do problema: 16,77 mil milhões de euros. É quase o dobro do orçamento da Saúde para 2016 (cerca de 9,5 mil milhões). E não há qualquer garantia de que este dinheiro venha a ser recuperado. Maus bancos e bancos maus já os portugueses têm de sobra. Queremos mesmo criar mais um? Queremos mesmo arriscar-nos a perder mais 20 mil milhões? Não, obrigado.

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