Amanhã, dia 20
de Junho, assinala-se o Dia Mundial do Refugiado. Já sabemos o que vai
acontecer: por todo o lado multiplicar-se-ão ações de sensibilização e de
demonstração de solidariedade, haverá exposições de fotografias artísticas a
cores e a preto e branco, de objetivas bem focadas, capazes de invocar a mais
sórdida tragédia humana e a mais sentida comoção do incauto espectador. Os
políticos e demais figuras públicas desdobrar-se-ão em discursos humanistas eloquentes,
em visitas a comunidades de refugiados no seu próprio país e nos países de
primeira chegada e quiçá em generosas esporádicas doações e anúncios de avulsas
medidas pró-acolhimento. Tudo isto será um bom espetáculo, digno de se ver,
ainda que perdido no meio do espetáculo maior que é sempre um Europeu de
futebol. Mas um dia não apaga as centenas de dias em que os refugiados foram
esquecidos ou escorraçados.
Em Lesbos, ilha
rodeada pelo azul turquesa de um Egeu de esperança e de perda, onde me encontro
enquanto escrevo estas linhas, o sentimento não é de celebração. Há eventos
agendados e importantes visitas esperadas, ou não fosse esta a capital apátrida
do Refugiado sem nome. Esta é a ilha da esperança, a terra do desespero, o solo
da desilusão, onde se amontoam números que são pessoas – homens, mulheres e
crianças que fugiram da morte e encontraram a agonia de esperar pela lentidão
burocrática de um futuro incerto. Pessoas sem casa, sem país e por vezes sem
família. Rostos que se dissolvem numa ilha de contrastes, onde o sol inclemente
se espelha na prata do mar e ensombra os farrapos de roupa e os destroços de
barcos abandonados nas belas praias, testemunhos da atrocidade que não queremos
ver. Do lado de lá, avista-se sem esforço a Turquia, por onde muitos passaram e
para onde muitos voltarão, cobardemente devolvidos pelas palavras vazias de um
acordo que envergonha a Europa.
Lesbos é uma
lição de vida. Uma prova da nossa pequenez diluída na imensidão do seu mar e um
exemplo da nossa grandiosidade nos pequenos gestos e nas grandes decisões. O
mundo sabe que em Lesbos há milhares de refugiados. O que o mundo precisa de
saber é que também há uma mulher sozinha com quatro filhos menores de 10 anos
que perdeu o marido ao sair do barco, uma mulher que enterrou o marido e duas
filhas na Síria, um menino com paralisia cerebral que nasceu antes do tempo
enquanto um avião bombardeava a casa onde não chegou a viver, uma menina
desfigurada pelas queimaduras das bombas em mais de metade do corpo. E mais
impressionante do que as histórias são os sorrisos que todos os dias eles nos
oferecem, mesmo que escondam lágrimas.
O mundo também
sabe que os campos de refugiados são descampados inóspitos onde se amontoam
abrigos despersonalizados e indignos. O que o mundo precisa de saber é que os
habitantes dos campos nos cumprimentam ao passar e nos convidam com prazer para
os seus abrigos como se de mansões se tratassem, e que anseiam por algo tão
simples como sentar numa cadeira em vez do chão que lhes está destinado todos
os dias. Que se assiste num campo de refugiados a um jogo de futebol da seleção
das quinas, eu com eles e todos por Portugal, porque há línguas que são do
mundo inteiro. Que as crianças vêm a correr abraçar-nos e ficam tristes quando
vamos embora, porque os afetos se expressam da mesma forma em todos os
continentes.
E em Lesbos
também há gregos. Povo despojado que caiu do alto da sua grandeza e fausto,
agora dividido entre a tragédia humana que lhe entrou pela costa dentro e a
depauperação de quem tem pouco para dar.
Aqui em Lesbos, lugar
esquecido mas tantas vezes falado, neste Dia Mundial visitado por quem tem o
mundo nas suas mãos, como o sr. Ban Ki-moon, esperamos que as cerimónias sejam bonitas. Mas, acima de
tudo, esperamos que o mundo não se esqueça de todos os outros dias. Dos dias passados,
em que os refugiados eram os nossos avós e bisavós numa época em que o solo
europeu era queimado pelas bombas. E dos dias futuros, em que os refugiados de
todo o mundo não serão vistos como uma ameaça de islamização ou de terrorismo,
mas sim como pessoas plenas de direitos humanos. Porque em Lesbos, como em
muitas partes do mundo, os dias são todos iguais, exceto os dias que nos trazem
humanidade.
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