Pela primeira
vez na História, um estado-membro abandona a União Europeia (UE). Os ingleses
lá terão as suas razões, e temos de as respeitar. Mas julgo que prevaleceu a
soberba nacionalista sobre o bom senso. E agora? Esta é a pergunta para um
milhão de euros (ou de libras). A atividade favorita nos próximos tempos – que
já começou ainda antes do referendo do Brexit – será pintar todos os cenários
possíveis e imaginários e para todos os gostos. Já se repetiu até à exaustão (e
bem) que a única certeza é a incerteza. Eu
acrescento que a UE não mais se encontra à beira do abismo. Já iniciou a queda
livre.
David Cameron
foi o incauto apostador deste jogo, que resolveu convocar com pretensões de
golpe de mestre, e acabou por perder tudo o que tinha. Os seus compatriotas
trocaram-lhe as voltas e fizeram a fuga para a frente. Abriram a caixa de
Pandora descuidadamente, sem refletir se queriam mesmo saber o que tinha lá
dentro. Por verdadeira insatisfação? Para cortar as amarras a um barco que se
afunda em lenta agonia? Por puro orgulho nacionalista? Talvez por tudo isto. Talvez
por mais. Falou a vontade de um povo, e isso vale muito. Mesmo que signifique a
desvalorização da libra, o retrocesso económico e financeiro, o constrangimento
dos movimentos dos seus cidadãos, a perda de acesso a programas de intercâmbio
académico. E até a desintegração do Reino. Não tenho certeza de que os
eleitores britânicos tenham pesado todos estes fatores no momento da ida às
urnas. Não vejo qualquer vantagem na saída do Reino Unido. Para ninguém. É
possível que o tempo lhes traga o arrependimento por esta decisão. Porém, o
reconhecido orgulho e rigidez britânicos não permitirão que o admitam. E jamais
voltarão para trás com o rabo entre as pernas pedindo que os deixem voltar.
O que vale
pouco, e isso ficou bem demonstrado, é a construção europeia, que há algum
tempo vem estremecendo e agora já perde peças. Existe um artigo no Tratado de
Lisboa que prevê a saída de um estado-membro da UE, mas na verdade ninguém sabe
ao certo como isso se faz. Porque nunca se imaginou que um país quisesse
abandonar uma união que foi fundada nos princípios da paz, da igualdade e da
prosperidade. Contudo, a UE de hoje já não é a mesma. Os princípios fundadores
foram remetidos para o fundo do baú dos tesouros que está esquecido no sótão da
União e, quando raramente alguém os tenta trazer para a luz do dia, já estão
tão empoeirados que provocam alergia nos membros mais suscetíveis. Talvez o
grande erro tenha sido proporcionar ao Reino Unido um estatuto de exceção em
quase todos os pilares que compõem hoje a UE. É natural que não custe sair a quem
está dentro estando fora.
A decisão de um
povo vale muito. Mas não valem menos os destinos dos outros povos que por ela
serão afetados. E seremos todos afetados. A pergunta ecoa em todas as cabeças: e
agora? O mundo financeiro está em pânico, como é habitual mesmo com um simples
suspiro. Os migrantes estão receosos e alguns pensam em fazer as malas. Há quem
consiga ver nesta saída uma porta de entrada para as empresas portuguesas. Contudo,
são as consequências geopolíticas que determinarão a médio e longo prazo o
futuro da UE e dos seus cidadãos. Não vejo motivos para otimismo. Com a saída
de um dos gigantes, o caminho está livre para o gigante alemão dominar toda a
sala – e todos sabemos por experiência própria que isso não augura nada de bom
para os chamados países periféricos como Portugal. Espero que esses países saibam
aproveitar esta oportunidade para finalmente se unirem e mostrarem que são
necessárias outras políticas que tirem a UE deste caminho de auto-destruição. Por
outro lado, a desintegração não me parece nada longínqua, tendo em conta o
entusiasmo que pode contagiar alguns países mais eurocéticos e que já têm
alguns dedos dos pés fora da UE. E isso pode reabilitar perigosamente movimentos
nacionalistas, cujo sussurro se tem tornado cada vez mais audível nos últimos
anos. Já vimos este filme antes e foi para não voltarmos a vê-lo que
construímos a UE. Como é que os europeus se puderam esquecer disso?
O início deste
segundo milénio tem sido pautado por acontecimentos verdadeiramente históricos.
Este será mais um marco indiscutivelmente determinante. Possivelmente não pelas
melhores razões. O sonho europeu já abanou, já caiu e agora está perto de se
estatelar. Se há 10 ou 20 anos nos dissessem que a UE podia acabar, ninguém
acreditaria. Se daqui a 10 ou 20 anos contarmos aos nossos filhos que já quase
fomos um só país, com as mesmas regras, a mesma moeda e quase sem fronteiras,
será que eles acreditarão?
Etiquetas: Brexit, Europa, Internacional