Saúde à peça

Ainda arde o lume dos contratos de associação com o ensino privado e corporativo e eis que volta à ordem do dia o eterno debate entre público e privado. Desta vez, numa das áreas onde historicamente a questão tem sido mais ventilada: a saúde. As parcerias público-privadas (PPP) têm sido apresentadas como panaceias e armas de arremesso pelos atores políticos, consoante o lado da barricada em que se encontram. Não há campanha eleitoral em que não se discutam os seus custos, vantagens e desvantagens. Afinal, parece que nem são melhores nem piores. E agora?

Foi conhecido esta semana um relatório de avaliação às PPP, realizado pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que tinha sido encomendado pelo Ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes. O relatório conclui que não há melhores nem piores resultados em termos globais na gestão privada dos hospitais face à gestão pública. Pontualmente, há algumas diferenças, como por exemplo os hospitais com gestão pública são melhores em termos de tempo de espera para primeiras consultas e respondem melhor a necessidades de internamento, enquanto as PPP têm melhor desempenho no que diz respeito a cirurgias e número total de consultas. Mesmo no capítulo dos custos operacionais, também parece não haver diferença significativa entre os dois modelos de gestão.

Este relatório servirá como base técnica para a decisão política sobre a continuidade, ou não, das PPP existentes, decisão essa que terá de ser tomada dois anos antes do término do respetivo contrato. Atualmente, existem quatro hospitais em regime de PPP: Braga, Cascais, Loures e Vila Franca de Xira. Cascais será o primeiro a pedir uma decisão, já que o contrato irá terminar em 2018.

Este relatório confirma o parecer de um outro anterior de 2009. Ora, não havendo diferenças no desempenho, porquê dar continuidade às PPP? E porque não?

A objetividade dos números é sempre de extrema utilidade. Mas não é tudo. O número de urgências, internamentos consultas ou cirurgias e os tempos de espera ficam muito aquém do retrato que é necessário conhecer acerca do sucesso dos tratamentos, da qualidade dos cuidados prestados, da melhoria da qualidade de vida dos utentes sem perspectiva de cura, da articulação com os cuidados de saúde primários e outras estruturas da comunidade e da satisfação dos profissionais em termos técnico-científicos e direitos no trabalho. Estes aspetos deveriam ser incluídos na análise, através de uma auscultação dos utentes, dos profissionais e das instituições parceiras. Só assim é possível ter uma visão aproximada de como os hospitais funcionam.

Na era atual, onde tudo é traduzido em números colocados em tabelas, gráficos e percentagens, esquecemo-nos de que há pessoas que pensam, sentem, têm memória e emoções. E frequentemente não nos lembramos também dos vários atores envolvidos na prestação de cuidados de saúde. E a saúde só terá qualidade quando virmos todas as pessoas no seu todo e não apenas 1 cabeça, 1 tronco e 4 membros. 

Etiquetas: , ,