O medo mora connosco

O ocidente tem sido fustigado por uma ameaça terrorista sem precedentes nas últimas semanas. Os atentados sucederam-se quase diariamente, vindos das mais diversas fações, desde o radicalismo islâmico até à extrema-direita. Apesar do sobressalto, europeus e americanos recusam-se a ceder ao terror e a abdicar das suas liberdades. Contudo, o medo mudou-se para os nossos bairros e veio para ficar. E isso é inevitável.

Se o 11 de Setembro de 2001 foi uma viragem para um novo tipo de guerra e de terrorismo, o ano de 2016 ficará conhecido como o ano dos atentados (para além de outros eventos marcantes e não necessariamente positivos, como o Brexit e a candidatura de Donald Trump – que todo o mundo espera que não passe de um hipotético pesadelo do qual todos acordaremos aliviados). Os métodos estão a mudar. Cada ação já não provoca centenas de mortos, como vimos no 11 de Setembro, no metro de Londres ou no comboio de Madrid. Estamos agora a aprender, da forma mais dolorosa possível,  que o inimigo pode estar à nossa espera na aldeia mais recôndita ou no dia mais inesperado. Que não temos de recear apenas bombas e aviões, mas também armas de fogo, facas e até camiões. E decerto que a criatividade destes assassinos não ficará por aqui.

A ameaça, e o trunfo dos terroristas, é precisamente a imprevisibilidade. Porque nós nunca sabemos quando, onde nem como. Porque anda de rosto escondido e caminha ao nosso lado. Porque se torna impossível prever e evitar. E ser incapaz de controlar assusta.

Na Europa prezam-se as liberdades individuais. Os europeus, mais até do que os americanos (que já cederam uma boa parte da sua liberdade para o securitismo), construíram uma sociedade baseada na liberdade de expressão e de circulação e no direito à diversidade e à opção política e religiosa. Estes são os princípios fundadores da Europa moderna do pós-guerra, dos quais resistimos de abdicar. Mesmo que isso custe vidas. Têm razão os que dizem que ceder na liberdade do estilo de vida europeu é dar a vitória ao terrorismo.

O terrorismo que hoje nos assola não é um confronto religioso. O Papa Francisco e os líderes das várias confissões religiosas em todo o mundo entenderam bem a verdadeira natureza deste problema. E os próprios chefes das organizações terroristas também. Nem tão-pouco é um confronto político ou cultural. É sim uma crise de valores e de ideais. É um escape para a frustração de quem sente a pressão da exclusão social e do insucesso. É a revolta de quem acha que os direitos lhe são inerentes e que a culpa de não conseguir atingir os objetivos é dos outros e não da própria falta de empenho. É o preenchimento da lacuna de quem tem quase tudo e pouco resta por que lutar. É por isso que os jovens ocidentais se juntam às fileiras do terrorismo. Portanto, não se estranhe que eles lá estejam: fomos nós que ajudámos a criá-los.

A melhor forma de combater o terrorismo é de facto não abdicarmos das nossas liberdades. Porque quem não as tem, como em alguns países islâmicos, sentir-se-á inevitavelmente atraído por elas, mais cedo ou mais tarde. E a provação de terror que hoje passamos obrigará os mais perdidos a ter algo por que lutar. No entanto, há algo que mudou inevitavelmente nas nossas vidas, quer sejamos mais ou menos securitários: o medo passou a morar connosco. Mais vale incluirmo-lo no nosso dia-a-dia, porque ele tão cedo não nos abandonará.

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