Os argumentos contra as sanções e o atestado de incompetência

Sanções foi um dos termos mais ouvidos, falados e escritos no léxico português durante esta última semana. Só ultrapassado por Europeu, futebol e Éder. Já muitas pessoas falaram sobre este tema e muitas coisas disseram. Que as sanções são injustas, que são merecidas, que são culpa do anterior Governo, que o atual Governo não fez o que devia, que são contraproducentes. Seja como for, o golpe já foi desferido, contra todas as previsões e opiniões (incluindo a minha). Os Mercados já estão a acossar Portugal com os juros da dívida. Resta agora ao Governo português esforçar-se por minimizar as perdas. E, para isso, muito mais do que ameaçar com um “Lusexit” (que o Governo francamente não deseja e para o qual as instâncias europeias se estão nas tintas) há dois argumentos essenciais.

Portugal não cumpriu em 2015 a meta do défice de 3% inscrita no Pacto de Estabilidade e Crescimento – é um facto. Outro facto é que foram mais as vezes que esta meta foi violada pelos estados-membros (incluindo a Alemanha) do que aquelas em que foi cumprida – o que significa uma de duas coisas: ou as regras estão completamente desajustadas da realidade ou os estados-membros estão mais interessados em mandar cumprir do que em cumprir (voto nas duas). Essas violações foram permitidas, na maior parte das vezes, porque os países requeriam condições excecionais por se encontrarem em recessão.  Claro que as faltas de uns não podem servir de perdão para os incumprimentos de outros. O rigor tem de imperar, e se existem regras estas são para cumprir – por todos. Ou então que se mudem as regras, se estas não servem.

Tudo isto é compreensível. Mas tudo isto está mais do que debatido, com mais ou menos razão. Embora sejam válidos, não são estes argumentos que vão convencer os tecnocratas europeus. Numa União Europeia (UE) tristemente desprovida de ideologia e de sentido de equidade e de justiça, são os argumentos técnicos que nos podem ajudar. E há dois que são o mais técnicos possível.

1 Portugal só está obrigado a cumprir a meta dos 3% em 2016. Dito isto, não se compreende que pretendam aplicar sanções pelo défice de 2015. E apesar das dúvidas e reservas que as políticas económicas do Governo PS possam suscitar, a verdade é a que a comissão europeia de inspeção que esteve recentemente em Portugal a acompanhar as nossas contas confirmou que a execução orçamental está a correr conforme o previsto. Já alguém ouviu falar de sanções preventivas? Já alguém cumpriu pena por um crime que ainda não cometeu?

2 As sanções dificultarão a consolidação orçamental. As multas e o corte de fundos estruturais serão em si impeditivos de cumprir tal meta do défice, pois aumentam a despesa pública e diminuem a receita. Tal como disse António Vitorino, as sanções são perversas. Incluindo as sanções zero, porque colocam o país debaixo do chapéu da desconfiança, o que, já se sabe, não é do agrado dos Mercados.

Uma coisa tem de se admitir nesta matéria das sanções: a UE não desiludiu. Esperou pacientemente até Julho. Não por ser o virar do semestre, mas porque havia eleições em Espanha, das quais estivemos todos em suspenso. E o resultado não foi satisfatório, pois o impasse permanece e continua a pairar no ar a ameaça de uma viragem à esquerda aqui no país de nuestros hermanos. Portanto, para mostrar que tem músculo e que não serão permitidas políticas alternativas, aplicam-se já umas sanções, que é para aprenderem a não ser audazes. E assim os países vêem a sua política interna ser condicionada externamente. No entanto, não me parece que os senhores da Comissão Europeia (CE), do Eurogrupo ou do Ecofin tenham votado nas eleições portuguesas ou nas espanholas. Nem que os portugueses ou os espanhóis os tenham eleito.

Portugal deve defender-se e apresentar os seus argumentos. Mas não deve ceder à chantagem de Bruxelas e mudar as suas políticas de acordo com a cartilha de Schäuble, Juncker e Dijsselbloem. Isso foi o que fizemos nos últimos quatro anos. E veja-se o resultado: nem corrigimos as contas públicas nem nos livramos de sanções. Sancionar Portugal é o maior atestado de incompetência que a troika e as instâncias europeias passam a si próprias.


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