A geringonça dá uma voltinha no carrossel da Caixa

Não se pode dizer que esta season esteja a ser silly. António Costa que o diga: certamente preferiria que os portugueses se deixassem perder nas ondas prateadas e areais dourados, inebriados pelas sedutoras temperaturas, em vez de perturbarem as férias com os programas que este verão político lhes tem proporcionado. A agenda tem sido vasta e para todos os gostos: o sol e a vista do IMI, as viagens da Galp, paisagens destruídas pelos incêndios a perder de vista. E agora, o carrossel da Caixa.

Não me ocorre palavra melhor do que trapalhada para classificar o argumento da novela da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Poucas devem ser as aspirantes a administração de um banco a ver metade dos seus membros chumbados. É certo que o escrutínio às instituições bancárias é hoje muito mais exigente do que há uns anos atrás, e ainda bem – mesmo assim, há bancos com o âmago apodrecido e que se desmoronam nas barbas do regulador.

É verdade que o Executivo de Costa pegou o touro pelos cornos e decidiu resolver o dossiê da administração e da recapitalização da Caixa, que o anterior Governo PSD/CDS se limitou a empurrar com a barriga e a deixar deteriorar – como foi, aliás, a sua receita para toda a Banca. Porém, o Governo PS andou mal, muito mal, neste processo, desde propor uma administração que foi chumbada em quase metade, até deixar o processo arrastar-se e ter de quase implorar à administração cessante que aguente o barco mais uns tempos. A sua conduta foi de amador, o que não corresponde ao que se conhece do Primeiro-ministro (PM). O vexame é total, quando tem de ser uma entidade externa, o Banco Central Europeu (BCE) a vir dizer aos portugueses que não estão a cumprir a lei que os próprios fizeram. E para rematar o capitulo novelesco, o Governo descarta os preteridos administradores-que-não-chegaram-a-ser enviando uma nova lista a Frankfurt, tratando depois de os desconvidar, através dos jornais. Mas é ainda pior a emenda que o soneto: um Governo, em qualquer Estado de direito, não pode alterar a lei para a ajustar aos seus preceitos. Isso seria abrir porta para um caminho muito perigoso e escorregadio do ponto de vista dos poderes do Estado sobre os cidadãos e as instituições.

Se consultarmos os atributos de cada um dos administradores propostos originalmente, vemos que há muitas pessoas com vasta experiência na Banca – a maioria dos onze que foram aceites. Mas muitos outros há que nunca tiveram qualquer contacto com este setor. Qual foi a solução que Frankfurt encontrou? Mandou três dos administradores estudar. O carimbo de imposição procura tornar tudo mais credível, mas esta solução é, no mínimo, risível. Ninguém, nem o próprio BCE, acredita que se aprenda tudo sobre Banca em cursos de nove dias. Das duas uma: ou o BCE se envergonhou de fazer mais chumbos ou quis votar os visados a mais uma vergonhazinha. Isto leva-nos a colocar a questão: qual é a mais-valia que gestores de empresas de telecomunicações ou de fabricantes de automóveis, presidentes de uma fundação que apoia a investigação médica, administradores hoteleiros e CEO’s de grandes empresas não financeiras da nossa praça poderiam trazer à administração da CGD? Quem não vê aqui conflitos de interesse é porque vive no país das maravilhas. E daqui resvalamos rapidamente para a inversão da questão: qual é a mais-valia que integrar a administração da Caixa poderia trazer para os candidatos a administradores? Ou para o próprio Governo, que pode estar a aproveitar esta oportunidade para saldar algumas dívidas pessoais? Quando os processos são atabalhoados e pouco transparentes, dá sempre azo a que se abra o baú das desconfianças. A partir daí, a imaginação é o limite.

Vai ser interessante ver como o Executivo vai gerir esta situação. Por enquanto, tem uma administração constituída por onze elementos. Alguns terão de se matricular na escola antes de poderem tomar posse. Mas o busílis está nos desconvidados, que estão furiosos com o Governo, e com razão. António Costa não quis fazer de Mário Centeno, cujo Ministério tem gerido o dossiê Caixa, o número dois. O faro de calculista do PM detetou em Centeno o técnico, mas não achou o político. Ainda assim, Costa não consegue tirar o Ministro das Finanças do foco dos holofotes, o que seria difícil na pasta que detém. E assim se vai desgastando o fator Centeno em que Costa apostou e que nos surpreendeu com um cenário macroeconómico pré-eleições, o qual viria a ser a armadilha em que o próprio PS caiu.

Mas ministros há muitos. Já geringonças... BE e PCP já vieram dizer que se opõem a uma alteração da lei bancária para permitir maior acumulação de cargos em órgãos sociais, o que possibilitaria a nomeação dos administradores chumbados. Se o Governo ceder aos partidos da esquerda, coloca-se na ultrajante posição de ver quase metade da administração que escolheu definitivamente chumbada e não conseguir de forma alguma salvar a face. Se o Executivo PS insistir nesta solução, será mais uma pedra na engrenagem da geringonça, no meio de tantas pedras que ameaçam esta espécie de coligação. No entanto, não me parece que António Costa vá arriscar criar mais entropia num mecanismo permanentemente próximo da ebulição.

Etiquetas: , , , ,