O país arde,
consome-se e some-se num fogo inclemente.
As casas e os
bens de uma vida perdem-se, para preservar a única vida que resta.
E, por vezes,
nem a vida é poupada.
Sobra o desespero,
o medo, a aflição.
Cai-se de joelhos
perante a exaustão.
O que pode a
pequenez de um homem perante o gigante vermelho que avança vertiginosamente e
arranca a esperança e a pureza da terra?
O que pode o
gigante vermelho perante a grandeza dos homens que molham a terra com suor e
lágrimas?
O combate aos
incêndios está na ordem do dia. Mas só dos dias de verão. Reclama-se da falta
de meios, onde estão os bombeiros que não chegam, porque não vieram os meios
aéreos. Quando fala o desespero, tudo está mal e todos os outros têm culpa.
Quando não é verão, ninguém fala.
Os outros países
também ardem. A par e passo com o nosso drama, há incêndios no sudeste de
França e na Califórnia, que também destroem e também obrigam à evacuação de
centenas de pessoas. Mas Portugal arde mais do que os outros. Num
estudo que analisa os incêndios nos países da Europa do sul (concretamente Portugal,
Espanha, França, Itália e Grécia) entre 2000 e 2013, ficamos a saber que no
nosso país ocorreram mais fogos do que nos outros quatro juntos (53%) e que
ardeu uma área proporcionalmente maior (38%, apesar de Portugal representar
apenas 15% da área analisada). O clima é aliado do gigante vermelho, que
rejubila na luxúria não só de temperaturas elevadas, mas também – e talvez aqui
resida alguma diferença – na baixa humidade e nos ventos fortes. Mas o clima
não explica tudo.
Há fogos com mão
humana (a esmagadora maioria). Alguns (muitos) têm mão criminosa. É pertinente
talvez um agravamento da moldura penal e medidas de prevenção da reincidência.
Mas haverá sempre pirómanos, disputas mesquinhas entre familiares e vizinhos e desprezáveis
interesses económicos. Também haverá sempre floresta e mato (felizmente). E
haverá sempre verão. Por isso, sem descurar os meios de combate, há, acima de
tudo, que evitar. Porque, uma vez chegados ao inferno, tudo e todos são
insuficientes. E, num país de recursos limitados como o nosso, não se pode montar
um dispositivo para o inimaginável, como é o cenário que se instalou nesta
última semana: centenas de fogos, temperaturas impiedosas, ventos céleres,
povoações praticamente cercadas. Nunca pensei ver uma ilha inteira a arder e um
povo inteiro encurralado entre o gigante vermelho e o mar. Apesar de tudo, até
se diz que
o dispositivo de combate aos incêndios montado neste 2016 é um dos melhores dos últimos anos.
Por estes dias,
surgem muitas opiniões, algumas a quente. Fala-se muito de falta de prevenção.
Marcelo Rebelo de Sousa diz que se deve pensar a quente. Regra geral, não é a
quente que se deve pensar nem acusar. Mas o que o Presidente da República quer
dizer é que é agora, e aproveitando este verão negro, que se deve começar a
delinear estratégias que nos livrem deste sufoco nos anos que vêm. Não sou de
maneira nenhuma especialista na matéria, mas há algumas medidas que me parecem
importantes:
Reflorestação ordenada. Apesar de ser
dos mais afetados pelos incêndios, Portugal é dos países que menos aposta na reflorestação.
Não é inédito seguirem-se trágicas cheias e enxurradas a épocas de incêndios
devastadores. Faltam poucos meses até começarem as chuvas. Urge, portanto,
começar já a reflorestar as áreas ardidas, contemplando também as
acessibilidades para os meios de combate e as zonas de corte de fogo.
Limpeza das florestas. Cerca de
77% da área florestal pertence a privados. E raros são os proprietários que
procedem à limpeza dos seus terrenos. As obrigações não são só do lado do
Estado. Cada cidadão tem de assumir a responsabilidade que lhe cabe. Mas muitos
preferem sujeitar-se a uma multa, que ainda assim fica aquém dos custos da
limpeza. Porém, ninguém se lembra que, quando o fogo lhe pega, a fatura é bem
maior. Uma forma de ultrapassar este laxismo seria as autarquias tomarem nas
suas mãos a limpeza dos terrenos privados, cobrando depois o custo a cada
proprietário. Só assim se assegura que toda a floresta é corretamente limpa.
Profissionalização dos bombeiros. Os
homens e mulheres que nos protegem do fogo são, na sua maioria, voluntários, que
se ausentam temporariamente das suas famílias e empregos para arriscar a vida
por
1,75€ por hora (ou nada). Não é com certeza pelo dinheiro que o
fazem. Mas não se lhes pode pedir, nem aceitar, um esforço hercúleo que é
combater um incêndio durante horas, por vezes mais de 24, debaixo de
temperaturas infernais, até a exaustão se apoderar da vontade de vencer. Além
de combaterem incêndios, os bombeiros socorrem e transportam doentes graves e
urgentes. E até nos abrem a porta da nossa própria casa quando nos esquecemos
da chave. São heróis, sim, mas não devemos permitir que sejam mártires. Profissionalizar
os bombeiros permite que tenham um estatuto reconhecido, que sejam dignamente
recompensados, que tenham proteção e formação adequadas.
Todos os verões
são assim. Mais hectare, menos hectare, há tanto que se perde. Há um mar negro
de florestas. Há vidas destruídas e vidas perdidas. Há um país que chora sob o
peso do seu fado. Porém, acredito que o fado não é uma fatalidade. Cada um de
nós canta o seu. Chore-se agora a tragédia que já nos assolou. E metam-se desde
já mãos à obra, porque nos próximos verões quero cantar um fado alegre.
E, já agora, um
muito obrigado a todos os bombeiros.
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