Guterres e Barroso: os lóbis não são para todos

António Guterres e Durão Barroso são os mais internacionais dos políticos portugueses. Atualmente, o primeiro esforça-se por entrar num prestigiado cargo mundial onde habitualmente se faz pouco parecendo fazer muito; o segundo é melhor nem falar do que vai fazer, mas quer fazê-lo sem ser excomungado da instituição europeia de onde saiu. Os dois diferentes, não fora serem portugueses e os elos fracos na corrente de poder internacional.

Guterres tem dado cartas na corrida a secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O seu desempenho como Primeiro-ministro de Portugal pode ter sido mais ou menos discutível, mas neste cargo encaixa-se que nem mão em luva. O currículo no Alto Comissariado para os Refugiados (ACNUR) é aclamado por todos. As votações informais têm-lhe dado vantagem estrondosa. Mas a competência parece ser um critério de somenos importância para os países-membros, mais interessados na nacionalidade e no género – determinantes óbvios da competência ou da influência que os outros Estados querem exercer? Pudesse Guterres alterar estes importantes atributos em tempo útil e juntar-lhes o bónus extra de ser verdadeiramente qualificado para o cargo e seria o candidato perfeito.

Mas o português não serve. Candidato melhor seria do Leste europeu, onde a extrema-direita começa a dar prova de vida, não só nas oposições como também nos governos. A Bulgária tinha apresentado Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO e comunista, mas está a um passo da deselegância de lhe retirar o convite para o entregar a Kristalina Georgieva, vice-presidente da Comissão Europeia (CE). Georgieva seria bem mais à medida dos interesses da Alemanha, do Partido Popular Europeu (PPE) e da CE, que patrocinam a sua eventual candidatura. O interesse chega ao ponto de pôr Angela Merkel a fazer lóbi junto de vários países para apoiar Georgieva e derrotar Guterres, numa jogada de bastidores que Putin contrariou, e bem. Porém, Kristalina Georgieva tem um impedimento: o código de conduta da CE impede os comissários em funções de se candidatarem a outros cargos. Será interessante assistir aos esforços da CE para dar a volta à situação e perceber que o código de conduta tem uma validade para Durão Barroso e outra diferente para os intentos de quem manda na UE.

Até aqui, a eleição para secretário-geral da ONU surgia-nos como definitiva após um processo mais ou menos obscuro cujos meandros eram mal conhecidos. Nestas eleições, a ONU tentou inovar e introduzir mais transparência. É por isso que conhecemos os candidatos e as suas qualidades e ouvimos falar em votações. Se a candidatura-surpresa de Kristalina Georgieva surgir nesta fase tão adiantada da corrida, já depois de todos os candidatos terem prestado provas e se terem submetido a quatro votações, a derrota é do rigor e da transparência. Perde a ONU e perde o mundo. Vencem os jogos de poder.

Nesta senda dos lóbis, parece que Portugal ganhou um lobista na União Europeia, mas perdeu um ex-Presidente da CE. Depois de considerar nos últimos dois meses não haver ilegalidade na aceitação do cargo de presidente não-executivo e consultor do Banco Goldman Sachs, Jüncker vem agora pedir que a situação seja investigada e impor sanções (uma palavra que querem tornar sinónimo de Portugal). Sempre considerei Barroso um oportunista com falta de caráter e subscrevo inteiramente as acusações de promiscuidade e imoralidade neste (e noutros) processos. Mas a verdade é que o código de conduta da CE foi escrupulosamente cumprido. E querer punir por questões de moralidade não só viola a lei, como também não há moral na UE para o fazer. Não se viu tamanha indignação nem igual despromoção com o atual presidente do BCE Mario Draghi e o ex-administrador Otmar Issing, os ex-comissários Peter Sutherland e Karel Van Miert ou mesmo com o atual comissário Carlos Moedas – todos empregados do Goldman Sachs aquando da maquilhagem das contas gregas. O papel do Goldman Sachs na crise do subprime e na ocultação das contas da Grécia é apregoado pela CE à boca cheia, mas nas instituições de direito os crimes são julgados nas instâncias judiciais e não com acusações na praça pública.

Todos querem derrotar António Guterres. Todos querem arregalar os olhos a Durão Barroso depois de os terem fechado para outros altos funcionários da UE. Contudo, o castigo não é para o António nem para o José Manuel. O castigo é para Portugal, que resolveu apresentar-se com o ineditismo de um governo apoiado por partidos de esquerda e que tem a ousadia de argumentar e negociar com Bruxelas. Um país periférico que quer crescer no mundo, por muito mérito que tenha, é sempre uma ameaça para o bem-estar instalado dos gigantes.

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