Rábula das declarações de património à moda de Marcelo e dos Gato Fedorento

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) vem enchendo os nossos dias há largos meses. Há muitos mais do que devia. Os portugueses levaram-na de férias no Verão, acomodando entre o fato de banho e o chapéu-de-sol a recapitalização e a nova administração, juntamente com o muito que se disse sobre as duas. Nem a bela da bola de Berlim adoçou os administradores chumbados nem os que Bruxelas mandou estudar. Na rentrée laboral e escolar, discutia-se a candura e a obscenidade do salário prometido ao presidente da Administração, António Domingues. Daí até à declaração de património que nos trouxe o S. Martinho foi menos de um foguete.

Façamos o inocente exercício de explicar a polémica da declaração de património como faria Marcelo Rebelo de Sousa, o Comentador, no extinto site Assim Não, posteriormente satirizado de forma brilhante e inesquecível pelos Gato Fedorento. Podem não entregar a declaração de património? Podem. Mas são obrigados a entregar? São. E o que acontece se não entregarem? Nada?

É a última pergunta que será interessante ver respondida. Juristas, constitucionalistas e até o primeiro-ministro já vieram dizer que nenhum cidadão está acima da lei e que os administradores da CGD têm mesmo de entregar a declaração de património. O Tribunal Constitucional, cuja deliberação o país aguarda em suspenso, limitou-se a dar pela falta da declaração e a perguntar pela mesma. Os visados guardam um enfurecedor silêncio, parecendo esperar passar despercebidos e cair no esquecimento se se fingirem de mortos.

Todos os atores deste sketch têm tido péssimos desempenhos. Os administradores, nomeadamente António Domingues, porque querem tudo: um banco recapitalizado e limpinho de problemas segundo todas as suas exigências (assim não é muito difícil ser presidente de um banco), salários avultados que se dizem ser de acordo com o cargo e regime de exceção no que diz respeito à sua obrigação cidadã enquanto administradores de uma instituição pública. António Domingues quis tudo e tudo lhe foi concedido. E aí andou mal o Governo, nomeadamente o ministro das Finanças e o primeiro-ministro, porque prometeram o que não podiam dar. E agora tentam dar o dito pelo não dito (ou o escrito pelo não escrito), negando qualquer acordo com a equipa de António Domingues. Depois de terem tido a coragem de resolver a Caixa (com mais ou menos sobressaltos), a que outros governos não se atreveram, esta é uma nódoa que não deveria ter caído sobre o pano.

O desfecho deste sketch estará longe de nos divertir. Se António Domingues e companhia se escusarem a entregar a declaração de património e não lhes forem pedidas responsabilidades, será um desrespeito pelos portugueses e pelas instituições democráticas. Se, ao verem-se confrontados com tal obrigação, resolverem demitir-se, será um grande revés para o banco público, que nos poderá abalar fortemente a frágil economia portuguesa mais uma vez. Sobretudo quando estamos perante uma administração com os atributos há muito ansiados: com larga experiência na banca, apolítica e apartidária. No entanto, tais qualidades não tornam ninguém divino nem intocável. A lei é para todos, até para os administradores da CGD.

A Caixa Geral de Depósitos e os portugueses mereciam melhor. Depois de tanto banco falido e resolvido com o esforço de todos os contribuintes, querer estar acima da lei e criar exceções a todo o custo não é legítimo. Como diria Marcelo: assim não.

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