A CPLP faz sentido

No rescaldo da XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, em que, para variar, houve importantes propostas (embora discutíveis), vale a pena refletir sobre o que esta instituição pretende ser e, acima de tudo, sobre o que faz um país como a Guiné Equatorial no seio da organização.

A CPLP tem sido amplamente criticada pela sua inutilidade e ineficiência. Não subscrevo essas críticas. Discutir assuntos comuns entre países que falam a mesma língua, que partilham um passado histórico e que mantêm desde há séculos estreitas relações diplomáticas, económicas, culturais e sociais, faz todo o sentido. Contudo, a relevância efetiva da CPLP está aquém da que lhe querem dar. Portugal parece ser o país que mais aposta nesta comunidade. Mas é deixado a falar sozinho. É sintomático que Portugal se faça sempre representar por nada mais nada menos do que o Presidente da República (PR) e o Primeiro-ministro (PM), enquanto outros países enviam vice-presidentes e embaixadores, como foi o caso de Angola. Nem a presença de António Guterres, que ultimamente veste uma aura de messias e abrilhanta qualquer reunião, foi suficiente para trazer mais luz a esta cimeira.

As resoluções que saíram da cimeira de Brasília não são coisa pouca. Mas parecem mais caprichos do português que tudo faz para segurar a coisa e justificar a existência da comunidade do que objetivos concretizáveis.

A começar pela liberdade de fixação de residência. Um projeto ambicioso e difícil, sem dúvida, mas cuja discussão tem o seu lugar no contexto de uma comunidade que traga algum benefício efetivo à vida dos cidadãos. Contudo, talvez António Costa esteja a oferecer o que não sabe se pode dar. E sem antes falar com os portugueses. Embora o PM português alegue que esta medida não põe em causa a liberdade de circulação no espaço Schengen, uma vez que a União Europeia (UE) só impõe uma política comum em termos de vistos, com certeza que a UE quererá ter uma palavra a dizer sobre o assunto. E poderá não ser uma palavra doce, uma vez que não foi previamente escutada sobre uma medida que traz a possibilidade de pôr a circular pelo território europeu cidadãos de um país com elevados níveis de corrupção e onde os crimes ainda podem ser punidos com a morte. Marcelo pareceu apanhado de surpresa pelo anúncio de António Costa e reagiu de forma politicamente correta: “é difícil mas fazível”. Terá Costa dado um passo maior do que a perna? Ou, no ímpeto português de manter viva uma comunidade que já nasceu doente, resolveu lançar para o ar doces deixando à malvada UE o papel de os retirar? Seja como for, não se viu uma grande onda de entusiasmo nos restantes países-membros.

Mas o grande mal de que sofre a CPLP atualmente é a Guiné Equatorial. Membro da organização desde 2014, o momento da sua adesão esteve envolto em grande polémica. Todos estamos recordados da cimeira de Díli e da desconsideração a que Portugal, representado pelo ex-PR Cavaco Silva, foi remetido, ao encontrar um lugar à mesa já reservado para Obiang ainda antes da reunião de chefes de Estado onde a questão devia ser deliberada. Um episódio que envergonhou Portugal e que Cavaco desvalorizou com o imperativo de não manchar a primeira lide timorense na organização de um evento com projeção internacional. Mas a maior vergonha para o nosso país é ter permitido e continuar a permitir a presença da Guiné Equatorial numa comunidade onde supostamente só são aceites nações democráticas e onde se privilegia a cooperação social. A presença da Guiné Equatorial na CPLP é incompreensível e inaceitável.

O que é que não é claro em Comunidade dos Países de Língua Portuguesa? A Guiné Equatorial não cumpre qualquer requisito mínimo para pertencer à CPLP: não só não fala português (e escrever num papel que a língua portuguesa passa a ser língua oficial em nada liga o país ao idioma), como alberga um dos regimes ditatoriais mais férreos do mundo, onde os direitos humanos e a liberdade de expressão são constantemente espezinhados e onde têm lugar atrocidades retrógradas como tortura e pena de morte à claridade dos dias. Dois anos após a adesão, os equato-guineenses pouco ou nada fizeram para implementar os dois requisitos considerados fundamentais: o ensino do português e a abolição da pena de morte. Nem sequer há provas inequívocas de que tenha ratificado os estatutos da comunidade. É verdade que Portugal se opôs durante 10 anos à integração deste país. Porém, já que falhou no início, melhor seria ter aproveitado agora a falta de adoção dos compromissos para exigir a expulsão da Guiné Equatorial. Mais vale partir a CPLP do que a dignidade e a credibilidade do nosso país, que tanto lutou pela democracia e pela libertação de outros povos.

Teodoro Obiang é o líder político há mais tempo no poder, que oprime o país há 36 anos (logo secundado pelo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, com diferença de poucos meses). Para os países-membros da CPLP, que carregam um pesado legado de ditaduras e regimes opressivos, este deveria ser um ponto sensível. Mas parece que não. A dignidade é rapidamente ultrapassada pelos interesses petrolíferos que motivaram a aceitação do regime equato-guineense. E para Obiang, a CPLP é a porta de legitimação internacional do seu regime.

A CPLP podia e devia ser mais do que é. Os países-membros (os verdadeiramente lusófonos) e os laços que os unem justificam só por si a comunidade. Mas se a maioria deles a vota ao desprezo, é ridículo e pouco dignificante para os portugueses fazer de tudo para mantê-la orgulhosamente de pé. Muito menos aceitar o elefante na sala que é a Guiné Equatorial.

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