A mudez europeia

Esta semana a Europa foi tema de conversa em debates, painéis de comentadores, podcasts e jornais. De onde vem, mas acima de tudo para onde vai. Os vários plebiscitos – os que ocorreram recentemente e os que hão-de vir – têm agitado intelectos e têm feito soar vozes alarmistas. Mas neste coro dissonante, há uma voz que simplesmente não se faz ouvir: a da União Europeia.

Por todo o Ocidente proliferam movimentos de extrema-direita, populistas dos dois extremos, nacionalistas, separatistas, independentistas e isolacionistas. Na União Europeia (UE), dois estados-membros são governados por forças de extrema-direita, onde a imprensa está cada vez mais amordaçada e os direitos humanos são desrespeitados no que toca ao acolhimento de refugiados. O Reino Unido escolheu voltar as costas à UE e desbravar o caminho da desintegração. Em Espanha, a novela foi digna do terceiro mundo: o parto difícil do governo, o partido socialista de bloco central auto-relegado quase para partido de protesto e o crescimento de um partido independentista de esquerda que ameaça a integridade do reino. A febre do populismo chegou até ao outro lado do Atlântico, com toques de incrível, na eleição de Donald Trump: um dia em que o mundo acordou virado ao contrário. Só na Áustria não se confirmou o cenário mais temido, com um Verde a negar mais um bastião à extrema-direita – e há quem diga que esta derrota foi ironicamente potenciada pela ascensão de Trump nos EUA.

Porém, o plebiscito mais recente ditou a queda do governo italiano. Matteo Renzi cometeu o mesmo erro de David Cameron: colou a legitimidade do seu mandato a um referendo completamente distinto, assim transformando este ato num referendo a si próprio. É sempre desconcertante constatar o muito pouco que se aprende com a História. E se o referendo do Brexit ditou a queda do homólogo britânico, o referendo sobre a reforma da Constituição italiana foi igualmente fatal para Renzi. Itália está sem governo, mas também coincidentemente sem lei eleitoral que preveja a realização de eleições antecipadas. Um beco sem saída, portanto, ou na verdade uma encruzilhada, já que o desfecho mais temido do referendo que derrotou Renzi possa ser a vitória do Movimento 5 Estrelas (populistas de esquerda e eurocéticos) ou da Liga do Norte (extrema-direita e também antieuropeísta). Para já, vamos vigiando pelo canto do olho aquele que pode ser o maior perigo italiano: a banca com o seu malparado e a enorme dívida – que constituem sérias ameaças sistémicas para o debilitado euro, sobretudo para as economias convalescentes como a portuguesa.

Os próximos plebiscitos acontecem em França e na Alemanha, as duas grandes forças motrizes da UE. França e Alemanha têm ditado as regras na Europa, por isso estas são duas eleições que a todos interessam. Sobretudo quando sobre ambas paira o espectro real da extrema-direita, com a Frente Nacional francesa de Marine Le Pen e a Alternativa pela Alemanha.

Embarcar em cenários deterministas, quer sejam otimistas ou pessimistas, sobre as consequências dos plebiscitos recentes e os resultados das eleições futuras é pura especulação. Vivemos tempos de mudança, e o que os últimos acontecimentos nos têm mostrado é que pouco obedecem a regras, algoritmos ou padrões de estabilidade. Contudo, as perspetivas não são de todo animadoras, e apesar de muitas vezes não se terem confirmado os piores vaticínios, esta imprevisibilidade é em si geradora de receio e instabilidade. E o ponto mais sensível reside nos EUA de Trump: mesmo tendo amaciado um pouco o discurso após ter sido eleito, as escolhas que anunciadas para a sua equipa devem fazer encarar a sua administração com muitas reservas no domínio da política externa e económica e dos direitos humanos e sociais.

Num mundo que caminha a passos largos para o abismo, atacado por populismos, extremismos e terrorismo, vendo renascer a ameaça de uma nova Guerra Fria, assoberbado por uma crise de refugiados para a qual não sabe (ou não quer) dar resposta e socialmente definhado, os olhos voltam-se para a Europa, o único bastião estabilizador entre o Ocidente e o Oriente. Esperar-se-ia da UE uma posição agregadora e sólida que permita alicerçar uma resposta capaz. Mas em vez disso, a UE dedica-se exclusivamente ao discurso pequenino da consolidação orçamental e da austeridade, do défice e da dívida. Os líderes europeus não percebem que são necessárias lideranças fortes e efetivas e compromissos de regime, a fim de evitar que aconteça aquilo para que a UE na sua génese tem o propósito de evitar: um novo conflito mundial, uma nova subjugação de povos e uma nova perda para toda a humanidade.

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