Sinais de 2016, caminhos de 2017

Mais um virar da página do calendário, mais uma celebração. Mais festa, mais fogo de artifício, mais champanhe. Mais votos de Ano Novo, mais revistas de Ano Velho. Mais uma passagem de ano, onde o que muda é apenas um singelo algarismo, que o povo insiste em aproveitar para momento de reflexão e balanço. Enfim, em algum momento tinha de ser, e este é tão bom como qualquer outro. Porque, na corrida vertiginosa dos dias, faz falta parar para olhar para a frente com os olhos postos no que fica para trás.

Há precisamente um ano, escrevi no Espaço Liberdade que “o ano de 2015 (…) foi um dos mais recheados de acontecimentos realmente marcantes, daqueles capazes de provocar uma viragem na sociedade”. E foi deveras. Mas 2016 em nada lhe ficou atrás. Cá dentro, os portugueses vivem pela primeira vez uma espécie de estado de graça: a “Geringonça” continua a funcionar sem emperros de maior; as danças e contradanças entre Belém e São Bento correm de feição; os portugueses respiram o ar fresco da reposição de rendimentos conjugada com défice controlado; e até a estrela do futebol europeu iluminou finalmente este país que nunca deixou de lutar. Mas é lá fora que o mundo se agita: desde a surpreendente e incompreensível ascensão de Donald Trump à presidência da ainda maior potência mundial; à arrebatadora campanha de António Guterres para secretário-geral das Nações Unidas; passando pelo inesperado Brexit e pela ascensão da extrema-direita em vários países europeus; sem esquecer o golpe mal explicado na Turquia, o acordo de paz na Colômbia, a recente e há tanto esperada  condenação dos novos colonatos judeus na Palestina e o adeus de tantas personalidades mais ou menos queridas com quem nos habituámos a viver as últimas décadas.

Vou cair na tentação de destacar três acontecimentos de entre tantos tão marcantes que 2016 nos trouxe. Três acontecimentos, de certa forma interligados, que destaco não pela novidade, mas porque me parecem pontos de viragem: os atentados terroristas na Europa, o endurecer da guerra da Síria e o papel da Rússia no mundo. Pela primeira vez, em 2016, a Europa parece ter-se habituado a viver com medo, e isso foi bem patente no ataque ao mercado de Natal em Berlim, onde já não houve lugar ao habitual choque e consternação. O rumo que a guerra da Síria tomou em 2016, com a participação de novos atores internacionais (Rússia, Turquia e Irão) veio complicar ainda mais a já emaranhada trama do conflito e fazer antever um novo foco de profundas alterações políticas no Médio Oriente. Neste e noutros contextos, como a nova amizade entre Putin e Trump, o que 2016 nos mostrou é que a Rússia se posiciona no mundo para uma nova Guerra Fria, que já está indiscutivelmente em curso.

O ano que hoje entra será um ano de várias revelações, que hoje permanecem ainda incertezas. Na nação lusitana, será interessante ver até onde chega o namoro entre Marcelo e Costa, quando o PSD se perfila para sair da modorra de 2016. No plano internacional, o que todos esperam com ansiedade é saber se a administração Trump será o susto que promete ou se sairá uma versão suavizada. E, claro, há as eleições francesas, alemãs e holandesas onde se joga o futuro da Europa, há a novela do Brexit e outros possíveis exits cheirando a desintegração, há a disputa pelo poder na Síria, os refugiados que ninguém quer ver e o choque Rússia-Ocidente.

Mais do que fazer revistas do ano, importa perceber onde estamos e para onde vamos. O ano de 2016 foi sem dúvida recheado e surpreendente, mas não é um ano isolado. Tal como não o foi 2015 e não o será 2017. O mundo iniciou a travessia de uma série de anos chocantemente marcantes, daqueles que aparecerão inscritos nos livros de História. Por enquanto, estamos apenas a abrir as portas e apalpar os sinais que o terreno nos dá. Mas este é o momento mais importante, pois o futuro e a forma como rezará a História dependem de como soubermos ler esses sinais. Sempre assim foi e sempre assim será ao longo da história da humanidade. E não tenho dúvidas de que, mais uma vez, a humanidade penará no caminho errado antes de encontrar o caminho certo.

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