Le Pen, a Trump europeia

Depois de o mundo ter visto Donald Trump ascender à presidência dos Estados Unidos, e ainda mal refeito do choque inicial e diariamente bombardeado com ordens executivas que ofendem os mais básicos princípios democráticos, de igualdade e de solidariedade, é agora tempo de voltar atenções também para o que se passa aqui mais perto, em França. Os franceses serão chamados a escolher um novo presidente dentro de pouco mais de dois meses, com a primeira volta das eleições a acontecer no dia 23 de Abril. A escolha não se adivinha fácil, tendo em conta o cardápio de candidatos, qual sofrível menu de restaurante em que nenhum prato agrada: ou porque é frito, ou porque é cozido, ou porque faz mal, ou porque não se gosta. Nesta escolha do que ninguém quer, acabamos a ter de contemplar, mais uma vez, a candidata de extrema-direita.

O povo francês está mal de amores com o seu Partido Socialista. O governo de Hollande ficou muito aquém do que prometera e de socialista pouco teve. Seria um milagre colocar o PS em posição vencedora. Por esta ordem de coisas, François Fillon, o candidato de direita, seria o natural sucessor ao Eliseu. Mas o escândalo de alegado favorecimento familiar durante a sua vigência como primeiro-ministro, que tão oportunamente rebentou durante a campanha, veio furar as contas da providência. Resta, portanto, o extremo de Marine Le Pen e o fora de sistema de Emmanuel Macron.

Macron, o candidato mais bem posicionado para fazer frente a Le Pen, já está também a braços com um mesquinho diz-que-disse acerca da sua orientação conjugal e sexual. Se será suficiente ou não para prejudicar a sua candidatura, só mais tarde veremos. Mas os europeus em geral, e os franceses em particular - líderes no vanguardismo - não têm o costume do puritanismo, ao contrário dos vizinhos da outra margem do Atlântico.

Contudo, tudo se posiciona para dar a vitória à extrema-direita de Marine Le Pen. Pelo menos na primeira volta, o que já não é de somenos importância. Para quem se indigna com Trump, as propostas que a candidata da Frente Nacional tem apresentado não podem soar a muito diferente: redução da imigração, imposto sobre contratação de estrangeiros, alteração da Constituição para dar prioridade a cidadãos franceses no emprego, protecionismo económico, “Frexit”. As diferenças entre a candidata francesa e o presidente norte-americano cingem-se à forma, porque o conteúdo não é muito divergente. Recorde-se que Le Pen exultou com a eleição de Donald Trump e deu ares de querer uma revolução semelhante para a Europa. Marine Le Pen, talvez por estar mais entrosada no sistema, é mais comedida na retórica e menos agressiva no trato. E um pouco menos isolacionista, pois será difícil quebrar de um momento para o outro a longa tradição das relações entre os países europeus. A francesa tem também o seu escandalozinho, que com certeza não lhe tira o sono e que até lhe deve trazer alguns pontos extra, já que a dívida de que é acusada é para com a União Europeia e não a pátria francesa, o que poderá ser visto como sinal de força e de esperteza por quem apoia o discurso anti-europeu.

Mas o modo como Marine Le Pen é aceite na vida política francesa é em si preocupante, porque a coloca em posição de vencer as eleições presidenciais. Depois do muito que se criticou o povo americano e dos vários epítetos que se lhe aplicaram por terem eleito Donald Trump, não se compreende que se considere sequer dar a vitória à extrema-direita.

A política e a sociedade estão extremadas. Em Portugal, na Europa, nos EUA e no Médio Oriente. França não foge à regra e Alemanha e Holanda, as próximas a ir às urnas, também não serão exceção. Depois de décadas de relativa estabilidade e moderação, a dura realidade da crise económica, financeira e social começou a entrar pelas nossas casas e a abalar o equilíbrio natural das coisas instaladas. Suponho que a mudança seja cíclica. A acalmia depois do caos degenera novamente em acalmia. A estabilidade não dura para sempre porque é intrínseco ao ser humano viver em constante insatisfação. Mesmo conhecendo o desfecho vezes sem conta.

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