Crispação: a nova política ou a estratégia dos derrotados?

O debate político está extremado, crispado, cansado e maltratado. Em Portugal e no mundo. A sede de mudança - defraudada que está a resposta que o “sistema normal” não soube dar para melhorar a vida das pessoas - a isso conduz. Por cá, os debates quinzenais no Parlamento têm sido o principal palco da vociferação e do insulto, brindando os portugueses com um espetáculo decadente onde muito se diz, mas de nada se fala. Será este o estado atual da política em geral? Ou apenas uma estratégia limitada colocada ao serviço de alguns políticos e não da política?

Deixando para trás tempos mais remotos, diria que a geração dos primeiros milénicos tem recuar até ao tempo de Sócrates para encontrar as mais longínquas memórias de crispação política. Há que admitir: a personalidade do ex-primeiro ministro presta-se ao constante confronto. Desde então, a escalada de tensão tem sido a regra, muito circunstanciada pela conjuntura difícil que o país atravessou (e ainda atravessa), com o pedido de ajuda financeira externa, a submissão a Bruxelas e aos Mercados e as imposições do eixo franco-alemão.

Nem mesmo Marcelo Rebelo de Sousa, com a sua forma inédita de ser presidente - hiperativa, frenética, de proximidade e de afetos - conseguiu acalmar as hostes partidárias. Pelo contrário: se este estilo presidencial é do agrado dos cidadãos e contribui, como o próprio diz, para a distensão da sociedade portuguesa, não se pode criticar que cause uma leve irritação aos partidos da oposição. Afinal, o Governo de António Costa tem beneficiado de uma “cumplicidade técnica” da parte do presidente da República (PR), que subsistirá enquanto for útil para ambas as instituições. Pelo contrário, o PSD de Passos Coelho, que teoricamente teria uma relação facilitada com um PR da mesma área política, não tem gozado dos afetos de Marcelo. As divergências entre os dois presidentes - do PSD e da República - deixam o primeiro cada vez mais isolado neste cenário atual dividido entre direita e esquerda, passado e futuro, continuidade e virar da página, austeridade e fôlego.

Perante este ambiente polarizado, é inevitável alguma tensão nos discursos. Mas a hipérbole da crispação que temos conhecido nos últimos anos não é só fruto da agitação política e social das nações. Há um conjunto de figuras políticas que aproveitam este instrumento, elevando-o ao extremo, para fomentar no seu eleitorado a indignação e o descontentamento, e desta forma implantar com alguma dureza a sua mensagem, que de outra maneira não colheria apoio significativo. Há portanto aqui um misto de conjuntura política atual mas também muito de estratégia individual de alguns políticos ou grupos. Um dos que tem feito maior uso desta estratégia é Donald Trump, que nos tem brindado até agora com uma campanha e uma administração agressivas na forma e no conteúdo. Outro exemplo é Marine Le Pen, embora menos expansiva, mas também com um discurso que necessita de retesar os eleitores para ganhar o seu espaço.

Por cá, PSD e CDS têm também claramente procurado impor essa estratégia. Contudo, com grande inépcia. E essa inépcia reside na má leitura da sociedade que Passos Coelho mais uma vez demonstra. Todas as estratégias do líder do PSD na oposição têm-se revelado deficientes e incapazes de catapultar o partido para uma alternativa credível. Vimos isso com o discurso do derrotado e da ilegitimidade da Geringonça e depois com o diabo que não veio. Agora, a agulha virou para a tentativa de elevar o tom e avolumar as barricadas, recorrendo ao insulto e à defesa da honra em exclamações de faces vermelhas. PSD e CDS têm sido claramente incapazes de conquistar os eleitores através de propostas capazes que olhem para o futuro e não vivam presas ao cinzentismo dos bons alunos do passado. Por isso, tentam camuflar essa incapacidade encenando uma forçada “asfixia democrática” que atribua a outros a culpa daquilo que não sabem fazer. É a estratégia infantil do “assim não brinco”. E fazem-no sem perceber que os portugueses atualmente respiram alívio, inclusão e mobilização, onde não há lugar para asfixias.

É por isso que o espetáculo decadente que temos observado no Parlamento, mas também em vários outros espaços de divulgação política, só contribui para a degradação e o descrédito dos políticos. Sobretudo dos partidos agora na oposição, que são quem mais sai a perder com a sua própria estratégia. Impor na ordem do dia as sombras antidemocráticas quando elas não existem vai acabar por se colar como uma lapa a quem as quis desenterrar do fundo do baú das más memórias. António Costa, mais experiente e inteligente, sai por cima se, como o próprio disse, se recusar a “continuar a alimentar este pingue-pongue com o PSD”.

Não foi bonito. Não tem sido bonito. Não é esta a política que queremos. As pessoas não precisam de arremessos de palavras, mas sim de soluções. Se os políticos não falarem das pessoas, as pessoas não os escutarão.

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