Lições da Holanda sobre a rampa descendente do extremismo

A extrema-direita não venceu as eleições na Holanda. Mas ameaçou. E aumentou a sua base de assento parlamentar. Embora a Europa aplauda em uníssono estes resultados, não é hora de respirar de alívio e pensar que ainda não foi desta. É altura de pensar que ainda não foi desta e de perceber o que está a acontecer no mundo para evitar que seja na próxima. Porque, não tenhamos dúvidas, a continuarem os sentimentos populistas e nacionalistas que têm proliferado no Ocidente, mais tarde ou mais cedo, será dessa.

As eleições holandesas de 15 de Março eram apontadas como uma antevisão dos próximos plebiscitos europeus em França e na Alemanha. Os três países são ameaçados pela ascensão da extrema-direita, mas nos dois últimos o tema assume particular relevância devido à sua posição geopolítica. O Partido da Liberdade (PVV) de Geert Wilders - populista de extrema-direita, pró-saída da União Europeia (UE), xenófobo, anti-imigração e anti-Islão - não conseguiu a tão temida vitória. As exultações europeias não se fizeram esperar, vindas, entre outros, da chanceler alemã Angela Merkel, do primeiro-ministro italiano Paolo Gentiloni, do ministro dos Negócios Estrangeiros francês Jean-Marc Ayrault ou do presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker. Depois das chocantes vitórias do Brexit e de Donald Trump nos EUA, há mesmo razões para aplaudir esta espécie de inversão de marcha.

Porém, o PVV não ficou longe, ficando ali a rondar num confortável segundo lugar, com direito a 20 assentos parlamentares. O partido do atual primeiro-ministro Mark Rutte (VVD, liberal conservador) saiu vencedor, mas resvalou de 41 para 33 deputados. E o seu parceiro de coligação, o trabalhista PvdA, sofreu uma queda aparatosa, passando de segundo para sétimo lugar a nível nacional e de 38 para 9 assentos parlamentares, ultrapassado pelos socialistas radicais (SP, com 14 deputados). Mas não esqueçamos que o VVD colou-se a várias mensagens populistas e xenófobas apregoadas por Geert Wilders e que ganhou pontos pela forma como geriu a recente crise diplomática com a Turquia, em que expulsou ministros turcos que iam ao encontro da sua diáspora para fazer campanha pelo referendo de Abril aos poderes presidenciais. Portanto, quer esteja dentro do saco da extrema-direita ou dentro do saco do “sistema”, o que importa é que o discurso populista e nacionalista é aquele que está a ter implantação junto da sociedade.

Ora, quando a extrema-direita chega ao segundo lugar, não é uma derrota. É uma preocupação. É um alerta de que urge perceber o porquê de tal ascensão e repensar todo o paradigma político e social atual. O que os resultados do sufrágio holandês nos vêm dizer, tal como mostraram as eleições nos EUA e o referendo do Brexit, é que as pessoas estão sedentas de mudança. A elevada taxa de participação de 80,4%, digna de fazer inveja às mais sofisticadas democracias, reflete a mobilização nesse sentido. Muitos não sabem bem que tipo de mudança pretendem, apenas sabem que a continuidade não é opção. Neste momento, a mensagem não está em código ou escondida nas entrelinhas, apenas acessível às elites políticas e sociológicas. O aviso é um clamor, e só não ouve quem não quer ouvir.

Nesta sede de mudança, depois de os partidos do centro e “do sistema” se revelarem  incapazes de oferecer soluções concretas que melhorem a vida das pessoas, os votos acabam por pender para qualquer coisa que seja nova, que são os extremismos. Os partidos mais radicais, de uma forma geral, têm sabido ler e capitalizar este chamamento e adotam o discurso que se deseja ouvir: recuperação de empregos, redução de impostos, protecionismo. Face à ameaça terrorista e à atual crise de refugiados e migrantes - para a qual não há fim à vista, porque as guerras e as desigualdades económico-sociais que estão na sua origem são complexos e há pouco interesse em solucioná-los -, o discurso anti-imigração e islamofóbico ganha cada vez mais adeptos. Num mundo em globalização que colocou a política ao serviço da economia e da tecnologia, é agora necessário fazer política para as pessoas. E é neste terreno que os populismos têm jogado, e bem. Curiosamente, o socialismo tem sido uma das fações mais prejudicadas nesta dança do poder, sendo largamente ultrapassado pela direita e pelo liberalismo na maioria dos países ocidentais. Essa perda resulta de um encosto dos partidos socialistas à direita, deixando de constituir alternativas suficientemente distintas. Pelo contrário, a revitalização da esquerda em Portugal será um caso de estudo, mas que se explica pelo mesmo fenómeno: a vontade de mudança após um partido social-democrata se ter voltado demasiado à direita. A diferença é que existem menos partidos e menos alternativa de direita em Portugal do que em muitos outros países europeus.

Se a Holanda foi o ensaio preliminar, a França e a Alemanha serão as grandes finais. Julgo que não se pode decalcar o resultado das eleições holandesas para os outros dois países, porque o contexto político-partidário é muito diferente. Estamos numa rampa descendente do extremismo, que se continua a percorrer, com mais ou menos avanços. As transformações políticas que assentam nos contextos sociais tendem a ser graduais e não imediatas. O facto de o PVV não ter vencido o sufrágio holandês não é o fim do populismo. Longe disso, porque o sentimento de mudança continua. Não creio que Le Pen vença em França e muito menos a Alternativa pela Alemanha neste país. Mas alcançarão sem dúvida representações significativas nos eleitorados. E isso não é de somenos importância. Faz parte da rampa.

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