Finalmente um plano para dominar o monstro da dívida


A dívida pública é um monstruoso elefante no meio da sala portuguesa. É de tal forma intimidatória que até hoje ninguém ousou enfrentá-la. Alguns têm lançado um tímido “agarrem-me que eu vou-me a ela”, mas só quando “ela” não está a olhar. Outros têm feito umas leves cócegas na esperança de que o elefante se vá embora de livre vontade. Não se revê nos nossos governantes a coragem do povo que enfrentou o Adamastor. À cautela, deixa-se o monstro engordar. Mas eis que finalmente surge um plano para exterminar o monstro antes que ele nos devore.

O défice dominou as nossas vidas nos últimos anos. De tal forma que foi preciso procurar vida para além dele. E encontrou-se: a dívida pública. Na verdade, sempre esteve lá. Enquanto os portugueses viravam as carteiras e os bolsos para reduzir o défice, foi-se deixando a dívida avolumar. Atualmente, está nuns exorbitantes 130,4% do PIB (Pordata). Não há nenhum economista, mais liberal ou mais de esquerda, que a considere sustentável. Até agora, os políticos foram empurrando o problema com a barriga. Finalmente, o grupo de trabalho constituído pelo PS e Bloco de Esquerda resolveu virar a página de lamentação da insolvabilidade da dívida e apresentar propostas para efetivamente resolver o problema.

É mais do que justo reconhecer que o Governo PSD/CDS levou a cabo algumas reestruturações da dívida, como os pagamentos antecipados ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e a renegociação de maturidades e taxas de juro. Mas foram reestruturações muito pequenas. Pela primeira vez, fala-se numa reestruturação de fundo capaz de tornar a dívida sustentável e desta forma aliviar o Estado da escravidão do pagamento de juros, que sugam o dinheiro necessário para o investimento e serviços públicos.

Perante esta iniciativa inédita do PS e BE, PSD e CDS vêem-se impossibilitados de atacar medidas que os próprios se furtaram a implementar durante o seu mandato. Por isso, limitam-se a atirar areia para a Geringonça, acusando o Bloco de “meter a viola do não pagamento da dívida no saco”. Mas em vez de defraudar o seu eleitorado, penso que o Bloco de Esquerda marca pontos com este trabalho, ganhando espaço como partido suscetível de convergências e consensos. E quem sabe, como partido capaz de assumir responsabilidade de governação.

As propostas são ambiciosas, sobretudo as que implicam o acordo das instâncias europeias. A redução da taxa de juro para 1% e o alargamento da maturidade de 15 para 60 anos (o dobro do prazo da dívida grega) são negociações de fundo, bem como a manutenção indefinida da dívida no balanço do Banco Central Europeu. Mas é este o caminho que Portugal tem de começar a trilhar. Concordo que a iniciativa de renegociação não deve ser unilateral. Mas a boa evolução económica recente, conseguida sob políticas em contracorrente com a austeridade defendida por Bruxelas, coloca Portugal em posição privilegiada para liderar um grupo de Estados-membros que façam este caminho connosco. Esta seria uma boa forma de iniciar a revisão do projeto europeu e de voltar a aproximar a União Europeia das aspirações dos seus cidadãos.

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