Joga-se hoje
a volta final das presidenciais francesas. Num mundo global, onde as decisões
de uns afetam a vida de todos, as eleições em França têm sido analisadas em
todas as línguas. Este sufrágio oferece opção entre o neoliberalismo e a
extrema-direita. Perante tal cardápio, não há – não pode haver – dúvidas quanto
à escolha. Nem que seja dar a vitória a um para derrotar a outra. Dito isto,
porque tem havido tanta divergência de posições e comentários em terras lusas?
Marine Le
Pen, líder da Frente Nacional, é o rosto de um legado político que se confunde com
a herança familiar. Marine rompeu com o extremismo antissemita do pai,
Jean-Marie Le Pen, e modernizou e suavizou a mensagem do partido. Mas, para lá
da imagem renovada, a essência não mudou. Continua a ser a extrema-direita. As
propostas não defraudam os seus seguidores: fecho de fronteiras,
anti-imigração, discriminação islâmica, rutura com o euro e a União Europeia, isolacionismo,
protecionismo económico. Marine poderá não chegar ao Eliseu, como todas as
sondagens indicam, mas independentemente do resultado nas urnas, já venceu.
Alargou o espaço da Frente Nacional na vida política francesa, conquistando
definitivamente mais de 20% do eleitorado na primeira volta, que é a que traduz
o verdadeiro retrato ideológico dos votantes. E colocou o país e o mundo a
falar das suas propostas. Não fosse a relevância já conquistada pela Frente
Nacional e Marine Le Pen teria visto negado o debate com o adversário, como fez
Jacques Chirac com o seu pai em 2002, recusando-se a dar tempo de antena ao
então candidato de extrema-direita.
Mas vejamos
o que oferece Emmanuel Macron e como isso pode afetar Portugal. Deixando de
lado a imagem do banqueiro e da alta finança que Le Pen lhe tentou colar durante
o debate, e que pouco dizem sobre as suas propostas, o líder do movimento En Marche! apresenta um projeto
profundamente neoliberal e euro-reformista. Em matéria laboral, pretende ir
mais longe do que Hollande – que impôs uma reforma de flexibilização (lei
El-Khomri), a qual encheu as ruas de contestação e foi um dos grandes
buldózeres do presidente e do PS francês. O que Macron propõe é mais uma desregulação
do que uma flexibilização, facilitando os despedimentos, o aumento da carga
horária e aumentando o primado dos acordos intra-empresariais sobre os
setoriais, mesmo que estes sejam mais favoráveis. Reformas que o candidato
centrista procurará fazer passar recorrendo a ordonnances, um mecanismo que permite ao Governo legislar sobre
matérias que seriam da competência da Assembleia da República. Para a Europa, o
candidato centrista projeta uma reforma que dê mais ênfase à liberalização
comercial.
Com uma
vitória praticamente garantida de Emmanuel Macron, segundo as sondagens, prevê-se
que Portugal não vá ter vida fácil no contexto europeu. A desregulação laboral
a que a troika já nos obrigou poderá agravar-se,
fazendo o caminho contrário que a Geringonça tem procurado através do aumento
do salário mínimo e do combate à precariedade. Por outro lado, é expectável um
endurecimento das políticas orçamentais por parte da União Europeia, em linha
com a filosofia germânica neste reforçar do eixo franco-alemão. Prevêm-se metas
mais restritivas e mais imposições (leia-se sanções) sobre os Estados-membros
que não as cumpram, o que seria profundamente penalizador para as economias cujo
crescimento já se encontra esmagado pelo peso da dívida.

Mélenchon
tem sido duramente criticado, e com razão, por não ter apelado ao voto em
Macron no sentido de impedir a vitória de Marine Le Pen. Não pode haver dúvida
nesta questão: perante o espectro do fascismo, escolheria sempre a opção a
favor da democracia. Contudo, recorde-se que na primeira volta Emmanuel Macron
obteve pouco mais do que Marine (24.01 contra 21.30%). Na segunda volta de
hoje, o voto em Macron será mais o voto contra Le Pen do que o voto a favor do candidato
neoliberal. Para os eleitores de esquerda e para alguns socialistas, Macron
será sempre o mal menor. E muitos terão hoje de tapar os olhos, pinçar o nariz
e engolir um sapo. Mas pergunto: se a segunda volta fosse disputada entre
Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon, em quem votariam os eleitores de direita?
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