Já não choramos.
Já não nos sobressaltamos. Já não ficamos colados a um serão de emissão
televisiva. Quando um atentado terrorista acontece, é apenas mais um. Está a
banalizar-se num novo normal. E isso não é bom nem é mau. É a forma possível de
conviver com um fenómeno que sabemos que não podemos controlar.
Longe vão os
dias em que o mundo parou, abalado pelo terramoto do 11 de Setembro nos EUA.
Depois disso, ainda nos chocámos com o 11 de Março nos comboios de Madrid e o 7
de Julho no metro de Londres. Agora, já nem ficam as datas. Os sentimentos
fortes de choque, de consternação e de determinação de reerguer das cinzas
foram enfraquecendo na repetição. Não é uma perversão, é uma característica
inerente ao ser humano. Hoje, os cidadãos ocidentais são uma massa pálida e
amorfa que se arrasta no seu dia-a-dia entre atentados, com um único objetivo:
sobreviver.

Suponho que
também seja assim numa guerra. Os dias são vividos um de cada vez, em luta pela
sobrevivência. E se o espoletar de um conflito bélico é notícia de abertura, o
cair de mais uma bomba é apenas parte do quotidiano. Tal como a morte e a
destruição na Síria, que se sucedem há seis anos, não têm espaço nos
telejornais todos os dias. O menino sírio na ambulância, coberto de sangue e
mudo num silêncio atordoado, é a imagem disso mesmo. Ele podia ser todos nós.
Não será fácil
acabar com o terrorismo. É mesmo impossível. Este novo terrorismo é
indiscriminado nos seus alvos e criativo nos métodos. E é um terrorismo de proximidade,
na medida em que recruta cidadãos dos nossos bairros e usa armas do nosso
quotidiano. Nenhum permanente estado de emergência pode parar todos os camiões
nem revistar todos os arredores de um concerto. Será importante a vigilância e
a cooperação internacional. Contudo, as fronteiras entre segurança e restrição
das liberdades individuais podem ser perigosamente ténues.
Quando já não
choramos, quando é apenas mais um, percebemos que o terrorismo faz parte das
nossas vidas. O dia-a-dia é feito de sobrevivência e da esperança egoísta, mas compreensível,
de que não nos atinja a nós nem aos nossos. Mas o dia-a-dia em que a vida flui
e recusamos abdicar da liberdade é também de vitória sobre um terrorismo que
pretende vergar-nos. Habituemo-nos, pois, a ser livres com medo.
Etiquetas: Guerra Síria, Terrorismo