A expressão
“caça às bruxas” anda nas bocas do mundo. Pensava eu que tinha a ver com a
demissão da procuradora Sally Yates e do diretor do FBI James Comey por se
terem tornado inconvenientes para Donald J. Trump. Afinal, a caça virou-se
contra o caçador. Pelo menos, é o que diz o próprio Tump, que se queixa de ser
vítima da maior caça às bruxas de que algum político alguma vez foi alvo. As
bruxas de Salem dão voltas na tumba. Nestas duas últimas semanas, é bem
possível escutar as suas gargalhas sinistras nas noites ainda frescas deste
Maio.
A outra
palavra que circula nos EUA e na imprensa internacional é “impeachment”. Em português, talvez se possa traduzir para impugnação. A confirmar-se, levaria à destituição do
presidente, uma palavra portuguesa bem mais fácil de manejar. Donald Trump arrisca-se
assim a ter um dos mandatos mais breves da história norte-americana, ficando
apenas atrás de William Harrison (1841, morreu de pneumonia ao 32º dia de
mandato) e possivelmente de James Garfield (1881, assassinado após 6 meses de
mandato). E seria o terceiro presidente sob a mira de um processo de impugnação, depois de Andrew Johnson, em 1868, Richard Nixon, em 1974, e Bill
Clinton, em 1998. Apenas Nixon se viu obrigado a deixar o cargo, no âmbito do
célebre Watergate; contudo não por
força do processo em si, mas sim porque se demitiu um dia antes da votação no
Senado. Já Johnson e Clinton viram os seus processos rejeitados no Senado.
Os
analistas têm-se mostrado consensuais nesta matéria: é difícil destituir um presidente nos EUA.
Contudo, há que considerar que o caso de Trump reveste-se de algumas
particularidades, que podem de facto levar o processo avante.
A primeira
é que, apesar de tanto o Congresso como o Senado contarem com maioria
republicana, Donald Trump não goza da preferência de vários correligionários. Tal
ficou bem patente não só durante a campanha eleitoral, mas também já durante a
presidência, em que o magnata viu várias das suas propostas rejeitadas nestas
Câmaras, como por exemplo o plano de saúde. Assim sendo, talvez a maioria de
dois terços, que permitiria levar à destituição do presidente, não seja tão
utópica quanto se possa pensar. Sobretudo tendo em conta que o sistema
norte-americano prevê que nesse caso o vice-presidente assuma de imediato a
administração do país. Ora, Mike Pence é um republicano bem mais consensual do
que o excêntrico e polémico Donald J. Trump e com certeza seria mais do agrado
das pessoas do partido.
A segunda
particularidade tem a ver com o medíocre índice de popularidade de que o atual
presidente goza. Tal falta de aprovação pública pode tornar mais fácil o voto
dos congressistas e senadores a favor da impugnação.
A terceira
questão prende-se com a razão que espoletou esta caça às bruxas
(independentemente de quem é caçador e quem é caçado): a segurança interna do
país. Esta é uma matéria a que os cidadãos norte-americanos são extremamente sensíveis,
sobretudo desde os ataques do 11 de Setembro. Aliás, este foi um dos bastiões
explorado por Donald Trump durante a campanha e que contribuiu para a sua
vitória, numa lógica securitária e nacionalista. Agora, Trump vira o bico ao
prego e afirma ter direito a partilhar informações de segurança com a Rússia, o
que, em última análise, pode abrir uma brecha na defesa antiterrorista dos EUA.
Isto pode ser visto como uma traição das suas próprias promessas e abalar a
confiança da sua base de apoio.

Com ou sem
destituição, impugnação ou impeachment, a
verdade é que Donald Trump quis transformar a administração dos EUA numa nova
temporada de The Apprentice. “You’re fired!” é a expressão com que
pensa livrar-se de quem se oponha ao livre arbítrio da sua presidência. Pois é,
Mr. Trump, o problema é que ser presidente de um país não é reality show, é reality mesmo. Talvez algumas bruxas lhe possam explicar.
Etiquetas: Donald Trump, EUA, Impeachment, James Comey, Sally Yates