Nas
eleições de legitimação, Theresa May ficou perto de perder a legitimidade. Um
revés na posição da defensora do hard
Brexit, que terá de encetar negociações com a União Europeia já a partir de
19 de Junho. E um reabilitar de esperanças para os Trabalhistas, que ganham
novo ânimo para fazer mossa oposicionista aos tories e almejar, quiçá, uma vitória nas próximas eleições. Seja
qual for a interpretação que se queira fazer, duas coisas são certas nestas
eleições: Theresa May não tinha tanto apoio quanto julgava e os britânicos
estão mais divididos do que julgavam.
May convocou
quase de assalto, em Abril, estas eleições antecipadas. E tinha de o fazer, já
que sucedera a David Cameron sem ser eleita, o que não a colocava numa posição
de força para enfrentar as duras negociações, internas e externas, a que terá
de se submeter no processo do Brexit.
A primeira-ministra britânica estava confiante na folgada maioria que herdara do
seu antecessor, e com os Trabalhistas em mínimos históricos após o referendo do
Brexit, resolveu fazer a fuga para a
frente e apostar o seu futuro político. Tal como Cameron fez ao colocar em cima
da mesa a questão sobre a permanência do Reino Unido na UE. E, tal como
Cameron, Theresa May escorregou e o feitiço acabou por se virar contra o
feiticeiro. Não só encolheu a vantagem para o Partido Trabalhista, como perdeu
a maioria absoluta. Agora depende de entendimentos com outros partidos, a quem
terá obviamente de fazer cedências, o que enfraquece a sua posição negocial não
só perante a UE, mas também no seio do próprio país para com os que defendem um
Brexit mais suave ou mesmo a
permanência.
Ao
mergulhar o país na incerteza da instabilidade política, depois de ter precipitado
os ingleses para uma separação da Europa que cerca de metade rejeitou, não será
de esperar menos do que uma crescente contestação interna aos Conservadores.
May não é uma figura simpática e consensual. Na verdade, tem dificuldade em
chegar ao íntimo das pessoas e em mostrar um lado humano, como Jeremy Corbyn
conseguiu em certa medida. Theresa May está colada à imagem do hard Brexit e dos cortes orçamentais no
combate ao terrorismo – um aproveitamento mesquinho que não tardou após os
atentados em Londres e Manchester. Contudo, não creio que tenham sido os
ataques terroristas a ditar a ‘derrota relativa’ nestas eleições, mas sim a sua
inabilidade em cativar os jovens e em oferecer-lhes um programa inovador e
capaz de garantir liberdade de circulação, de intercâmbio académico e de investimento,
num mundo globalizado onde as fronteiras são cada vez mais transponíveis. Tal
como Trump nos EUA, May oferece aos britânicos o retrocesso, o isolacionismo e
a rejeição do futuro.
Tal como em
muitos outros países europeus, incluindo Portugal, também no Reino Unido será
necessário recorrer a acordos entre partidos para formar governo. É este o retrato
da divisão ideológica que reina em grande parte da Europa. Por outro lado, é
também o espelho da diversidade e da recusa em entregar o poder a uma só força,
obrigando os partidos a fazer cedências e a encontrar equilíbrios. Até agora,
só a França foge a esta regra, quer nas presidenciais quer nas legislativas de
hoje, fruto do sistema eleitoral a duas voltas, talhado para gerar maiorias
absolutas. Sistema esse que pode ser perverso para o pluralismo e para as
minorias.
O aguardado
entendimento com o Partido Democrático Unionista (DUP) da Irlanda do Norte
ainda não está garantido. A confirmar-se, levantará velhas rivalidades – para
não dizer guerras – com a República da Irlanda, de que nem os britânicos nem os
irlandeses sentem com certeza saudades. Além de que os unionistas pretendem
manter o livre fluxo de bens, o que implicaria fortes cedências da parte dos tories no processo do Brexit.
Theresa May
– que chegou a ser comparada à Dama de Ferro Thatcher – deu um passo maior do
que a perna, à semelhança de David Cameron. E agora pode muito bem não chegar ao
fim do mandato. May está fragilizada pelo resultado das eleições e conta com
vários opositores mesmo dentro do seu partido. O resultado melhor do que se
esperava dos Trabalhistas dar-lhes-á ânimo para uma forte oposição aos Conservadores,
com ou sem Corbyn, assente num discurso dirigido aos jovens e aos que pretendem
manter a liberdade de circulação. Esta estratégia pode minar o governo de
Theresa May e fazê-la cair, antevendo-se uma vitória do Labour numas eleições próximas. A não ser
que May mude radicalmente o seu discurso, o que implicaria também um
distanciamento em relação a Trump, a sua tábua de salvação no cenário do Brexit. Não é de esperar, porém, um
volte de face no Brexit, mesmo com os
Trabalhistas no poder. Corbyn não se mostrou disponível para tal. Mas será provável
um soft Brexit.
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