“Viajamos
juntos, como passageiros de uma pequena nave espacial [chamada Terra],
dependentes das suas frágeis reservas de ar e solo (…) A única coisa que se
interpõe entre nós e a aniquilação é o cuidado, o trabalho e o amor que
dedicarmos ao nosso frágil veículo”.
Estas
palavras remontam a 1965, mas bem poderiam ser de agora. Foram proferidas num
discurso histórico de Adlai Stevenson, embaixador dos EUA na ONU, durante o
Conselho Económico e Social das Nações Unidas, em Genebra. Claro que, no âmbito
dessa reunião, se aplicavam sobretudo às questões de riqueza e pobreza mundiais
e de desigualdade. Mas estas palavras abrangem plenamente e com simplicidade
grande parte dos intrincados problemas que assolam o mundo dos nossos dias: o
individualismo, o isolacionismo, a política dos interesses individuais e do
“cada um por si”, que atinge fins sem olhar aos prejuízos infligidos pelos
meios. Nesta vertigem individualista, muitos esquecem-se que, queiramos ou não,
estamos condenados (ou abençoados) a viver juntos neste planeta que se fez a si
próprio quase por magia há biliões de anos, e que resultou quase perfeito.
Nesta nossa casa – a única que possuímos –, somos obrigados a partilhar tudo:
riqueza, pobreza, guerras, triunfos, sol, chuva, poluição e destruição.

Esta
quinta-feira, foi dada mais uma machadada na nossa frágil habitação. Donald
Trump decidiu rasgar o Acordo de Paris e recusar os compromissos assumidos pelo
seu antecessor Obama de reduzir a emissão de gases com efeito de estufa. Os EUA
isolam-se do resto do mundo, ao se retirarem de um acordo assinado por 195
países, juntando-se à Síria (a braços com uma sangrenta guerra civil) e à
Nicarágua (que não assinou por considerar as metas pouco ambiciosas). Trump
conduz o seu país com o ímpeto visionário da cegueira, recusando o que se mete
pelos olhos dentro: a realidade óbvia do aquecimento global, que nos rouba o
planeta e o lar grau a grau, e a prosperidade económica e social que a
indústria e os empregos no setor das energias renováveis já trazem nos dias de
hoje. Muitas grandes empresas norte-americanas, incluindo petrolíferas, já
manifestaram o seu desacordo pela saída de Paris. Um acordo que, segundo Trump,
beneficia outros países e prejudica os EUA – esquecendo, mais uma vez, que os
norte-americanos vivem na mesma Terra ferida de morte pela poluição, tal como
todos os outros povos.
A seguir ao
anúncio, não tardou uma chuva ácida vinda da comunidade internacional. França,
Alemanha e Itália subscreveram uma corrosiva declaração condenando a resolução do
presidente norte-americano. A maior veemência veio em francês (com algumas
palavras propositadamente em inglês), com o presidente Macron a afirmar-se promissoramente
como um potencial verdadeiro líder europeu (à parte divergências relativamente
às suas políticas neoliberais). Não só Macron abriu as portas da França aos
norte-americanos que não se revejam na posição de Trump, como foi autor de uma
das expressões mais inteligentes e significativas da política atual: tornar “o nosso
planeta grande outra vez”. Um novo slogan
que simultaneamente apela à necessidade de trabalharmos juntos e contraria
ironicamente a bandeira nacionalista de Donald Trump. Só o Reino Unido, perdido
na frágil incerteza quanto ao futuro determinada pelo Brexit, e vendo nos EUA a única tábua de salvação possível, foi
tardio na reação e tímido nas críticas. O que granjeou a Theresa May a oposição
de vários dos seus compatriotas, algo pouco conveniente a escassos dias das
eleições britânicas. Depois das divergências relativamente a quem paga o quê na
recente cimeira da NATO, que arrancaram à habitualmente reservada Angela Merkel
uma contundente sinceridade de uma Europa que não pode mais contar com os
Estados Unidos, a potência norte-americana coloca-se mais uma vez de fora do
compasso de tempo do resto do globo. Como se vivesse noutra época – uma época
no passado, que já todos experimentámos e percebemos que não tem futuro.
Com os
Estados Unidos auto-apeados, o caminho fica livre para a China, que o próprio
Trump apontou como principal adversário dos norte-americanos, se constituir
como a grande parceira da Europa no Acordo de Paris. O que, obviamente, trará
aos chineses dividendos económicos, que, aliás, já estão em marcha, com a
China, principal emissor mundial de gases com efeito de estufa, a ser campeão
na redução de emissões e a apostar fortemente na indústria das energias
renováveis. No espaço de apenas uma semana, Trump conseguiu isolar e relegar os
EUA para secundaríssimo plano, retirando o país de alguns dos principais
centros de decisão mundiais e deixando o caminho livre para o eixo
franco-alemão e a China assumirem o papel de líderes.
Jogos de
poder à parte, o que está em causa é o futuro do planeta. E nele o futuro da
humanidade. Não entendendo o porquê da busca incessante de outros planetas com
condições de vida – uma demanda onerosa, demorada e de sucesso pouco provável,
se pensarmos que temos o privilégio de já ter nascido num planeta que se formou
quase por magia e que resultou quase perfeito. Tão mágico e quase tão perfeito
que dificilmente encontraremos par em todo o universo. E, mesmo assim, teimamos
em desprezar a única perfeição que temos.
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